Na última semana de setembro de 2015 foram veiculadas nas redes sociais várias manifestações de bibliotecários brasileiros em reação ao valor da anuidade a ser cobrada pelo Conselho Federal de Biblioteconomia em 2016.
Esse tipo de manifestação tem ocorrido nos anos mais recentes e inclui como questão recorrente: Qual a relação custo X benefício (?) para o bibliotecário decorrente do pagamento desta taxa.
É evidente, em muitos casos, o deficit de informação que há nas falas postadas. O benefício que o pagamento dá ao bibliotecário é simples e unicamente o reconhecimento de que está confirmada sua licença para trabalhar como bibliotecário; de que ele tem um número exclusivo no universo formal, oficial, de bibliotecários que há no país. O pagamento da anuidade que lhe é cobrada a cada ano representa a renovação anual de sua licença para trabalhar como bibliotecário.
Em 2016, cada bibliotecário brasileiro pagará pouco mais de R$ 406,00 como pedágio anual para atuar em sua profissão. Isto é muito?
A profissão de bibliotecário é regulamentada, isto é, tem legislação própria. Muitas outras também o têm: arquivista, sociólogo, jornalista.... A diferença entre algumas profissões regulamentadas é que parte delas, como a do bibliotecário, pediram ao governo para ter e manter Conselhos Profissionais, outras não. As que acham que vale a pena (?) ter Conselhos têm que assumir o ônus financeiro dessa decisão, brigaram para ter que pagar por isso; as outras (que acho mais inteligentes) deixou ao Governo a tarefa de prover o registro de seus profissionais, o que é realizado pela Delegacia do Trabalho (do Ministério do Trabalho e Emprego), sem a cobrança de anuidade.
A pergunta que se deve fazer é: Por que se tem que pagar pelo registro profissional e sua renovação anual e criar um Conselho (uma repartição pública) para isso se isso poderia ser feito sem custo adicional pelo Estado, pois já é parte da contraprestação dos impostos gerais pagos? Trocando em miúdos, a pergunta é: precisa-se de Conselho Profissional? Que ética é essa que leva um grupo de trabalhadores a substituir o Estado quanto ao seu registro a fim de dizer que existe?
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06/10/2015
23/07/2015
Ética e Valorização Profissional: como transformar as práticas Políticas do Profissional da Informação?
Francisco das Chagas de Souza – UFSC
Palestra apresentada no dia
21/7/2015 na Mesa Redonda 2, constante na Programação do XXXVIII
ENEBD (Tema “FORMAÇÃO POLÍTICA, REFLEXÕES ÉTICAS, PRÁTICAS DE TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL E MÍDIAS NA INFORMAÇÃO: Qual
profissional temos e qual queremos ser?”), com a presença de: Dr. Jonathan Carvalho – UFCA; Dr. Cristian Santos – UNB; e Dra.
Aldinar Martins Bottentuit (UFMA).
Prezadxs Estudantes de Biblioteconomia,
Documentação, Ciência e Gestão da Informação,
1 – Cumprimento a todsx e agradeço o convite para estar
neste evento e nesta mesa;
2 – Ressalto que vivemos um momento político delicado no
país, que exige de nós a capacidade de interpretar os acontecimentos e suas
implicações sobre nossas expectativas cidadãs;
3 – Manifesto quão evidente está a
distância entre os profissionais, os estudantes e os cursos de Biblioteconomia,
documentação, ciência e gestão da informação demonstrada pela ocorrência ao
mesmo tempo e em lugares distintos do país dos seguintes eventos: XXXVIII ENEBD
(aqui em São Luís, de 19 a 25 de julho), XXVI CBBD (em São Paulo, de 21 a 24 de
julho), IX SNAC – Seminário Nacional de Avaliação Curricular (em
São Paulo, no dia 20 de julho) e VI ENECIN – Encontro Nacional de Educação em
Ciência da Informação (em
São Paulo, no dia 21 de julho). Falta diálogo
sério neste momento entre os envolvidos com a Biblioteconomia, documentação, ciência e gestão da
informação. Aí está o profissional que temos, queremos continuar assim?
Inicio esta exposição destacando que no ano de 2014, em
20 de julho, tive a honra de realizar a palestra de abertura do XXXVII ENEBD,
em Brasília. O evento havia adotado como tema: Responsabilidade
política do estudante e o futuro do profissional da informação. À
minha fala dei o título: “A
construção do bibliotecário brasileiro formado em nível superior: projeto do
ano 2022”. Nela abordei dois fatores:
Primeiro – A cada 20
anos, isto é, 1962, 1982 e 2002 foram estabelecidos currículos mínimos para a
formação de bibliotecário no Brasil (assim chamados nas duas primeiras datas) e
na última chamado de Diretrizes Curriculares Nacionais, por força da Lei
9.394/96, a LDB ora vigente.
Segundo – É responsabilidade política do estudante de
hoje, juntamente com os profissionais ora atuantes, pensar o futuro.
Entretanto, pensar esse futuro, implica em pensar nas práticas que esses
profissionais desenvolvem e pensar na utilização desses saberes para projetar o
conteúdo de formação dos candidatos ao ingresso na profissão.
Hoje, um ano depois, estou honrado com o convite para
participar desta mesa intitulada “Ética e Valorização Profissional: como transformar as práticas
Políticas do Profissional da Informação” inserida
em uma temática geral intitulada: Formação
política, reflexões éticas, práticas de transformação social e mídias na
informação: Qual
profissional temos e qual queremos ser?
Diante
do tema geral, circunscrito à política, à ética, à ação possível e aos recursos
disponíveis e tendo em vista o objeto temático desta mesa, focalizando a conduta do profissional a partir de uma
perspectiva metodológica, comandada pela interrogativa “como”, passei a
suspeitar que as dificuldades de ação dos bibliotecários de hoje, aí incluídos
também os que estão na docência, vêm como parte de uma cadeia de valores
formada há dezenas de décadas ou mesmo há séculos.
Uma das fontes de ideias que vem me
auxiliando há tempo nas reflexões que procuro fazer sobre a conduta do
bibliotecário chama-se Vilém Flusser, filósofo tcheco-brasileiro, nascido em
1920 e falecido em 1991. Em um de seus curtos ensaios, utilizado como preleção
em cursos ministrados em São Paulo nos anos 1960, intitulado Nosso saber, busquei um ponto de partida
para esta explanação que ora faço. Nele o autor formula uma caracterização das
várias etapas da história da ciência e nessas etapas vê como um elemento
significativo a forma com que as perguntas mobilizadoras da produção desse conhecimento são construídas. Há,
conforme seu jeito de perceber a história da produção do conhecimento, três
modos de interrogação.
Diz ele: No
inicio da história teriam sido colocadas perguntas que começam por “para que?”
e teriam sido seguidas de perguntas que começam com “por que?” e por “como?”.
Perguntas essas finais; causais e formais. [...] Perguntas finais são
características, até hoje, do discurso político, isto é, das ciências da
cultura. [...] As explicações causais eliminam uma das dimensões
implícitas nas explicações finais, a saber: a dimensão valorativa. O universo
do discurso das explicações causais é isento de valores. Nele não há sentido
perguntar-se por motivos. [...] Ultimamente a ciência se vê obrigada a abrir
mão das explicações causais em numerosos campos, e de substituí-las pelas formais.
(FLUSSER, 1983, passim.)
Que pretendo eu com essa citação?
Tomar a ideia nela contida a fim de por em foco dois aspectos que acredito
estarem inerentes ao tema geral deste evento e ao objeto desta mesa. Primeiro,
é parte central do tema geral duas perguntas: Qual profissional temos e qual queremos ser? Segundo, é parte significativa desta mesa a
pergunta: como
transformar as práticas
Políticas do Profissional da Informação? Nos
dois aspectos está evidente tratarem-se de perguntas formais, perguntas que só
poderiam ser formuladas por duas razões: Primeira – A fé em que o Profissional
da Informação resulta de uma formação sustentada cientificamente;
Segunda – A convicção de que a ciência é construção objetiva e, assim,
destituída de valoração. Isso coloca, portanto, questões como: 1 - o que são a
Biblioteconomia, Documentação, Ciência e Gestão da Informação e 2 - o que são
os Bibliotecários, Documentalistas, Cientistas e Gestores da Informação na
ordem das questões excluídas do rol de interesse dos Cursos que os formam,
embora sejam de interesse notório da sociedade leiga. Em geral, esses ramos de
conhecimento e esses profissionais ouvem perguntas sobre quem são e o que é o
objeto que cultivam profissionalmente. Se isso deixa de ser assunto explorado nos
Cursos de formação desses profissionais, igualmente deixam de ser temas
tratados convenientemente aqueles que se originam de perguntas como: 1 - Para
que há esses conhecimentos e esses profissionais? e, 2 - Por que o que eles podem afirmar sobre si e
sobre o que produzem tem valor e adquire identidade social? Às vezes,
parece que ao não atentarem para a construção de respostas a essas questões
que, em si, tem o sentido do político, tem a expressão das escolhas e dos
valores, os profissionais da informação, entre eles os docentes dos vários
ramos inseridos e partícipes deste ENEBD, envolvidos na preparação dos futuros
colegas, tomam o que seriam as respostas a essas perguntas como um saber
genético, que está naturalmente nele e, presumivelmente, também está em todos
os demais membros da sociedade.
Essa ideia de um saber genético – sobre
os traços e os fazeres dos profissionais –
detido por todos os membros da sociedade, provavelmente tem origem em
alguns defeitos de entendimento sobre a realidade social: Primeiro – viria da
concepção, especialmente pelos membros das profissões, de que todos os membros
da sociedade tem plena consciência das escolhas e ações decorrentes que se dão
no mundo da vida, esquecendo de autoavaliarem sobre o que não sabem em relação
às profissões de que são leigos; Segundo – decorreria de uma alienação em
relação a um mundo que é constituído socialmente segundo especificidades,
interesses e especializações; Terceiro –
denotaria a ausência do domínio e da prática de conhecimentos que abracem,
inseminem e critiquem sistematicamente o seu universo de discurso formal e
pragmático.
Essa conduta, orientada pelo menor
esforço intelectual, não pertence a um único grupo profissional; é criação que
vem se consolidando nos últimos séculos, face ao modelo de organização social, centrado na
individualidade e na produtividade, matrizes da ciência, que cada dia mais é o
combustível da modalidade de relação humana e social chamada mercado.
Encontro em Safranski (p. 110-111) a
afirmação de que Nietzsche percebera a origem e consequência desse estado de
coisas no século XIX em torno da formação dos jovens de então na sociedade
europeia. Diz Safranski:
Para o pensamento
filosófico, no começo da era industrial, as dimensões duradouras do Ser, isto
é, Natureza e História, começam pois a transformar-se numa espécie de máquina.
A essas “máquinas”, pensam os otimistas entre os contemporâneos de Nietzsche,
podemos confiar a produção da vida bem sucedida, sob o pressuposto, todavia, de
que nos portemos conforme nossas funções. A transformação do “processo mundial”
hegeliano em funcionamento mecânico e dispositivos industriais foi descoberta
por Nietzsche, com fina sensibilidade, em seu território mais próximo, a
ciência filológica. Formamos
os jovens para os levar ao mercado de trabalho científico, lá colocamos cada um
diante de um tema e um probleminha pequeno para que ele o trabalhe
diligentemente, o todo é uma fábrica científica; não sabemos para que o
produto de diligência servem; em todo o caso, eles dão sustento ao seu
produtor. Na descrição dessa situação, Nietzsche para em um momento e recorda
seu uso linguístico: mas
involuntariamente aparecem em nossos lábios as palavras “fábrica, mercado de
trabalho, oferta, aproveitamento” – e todos esses auxiliares do egoísmo –
quando queremos descrever a mais recente geração de intelectuais.
No
caso do ambiente social e econômico brasileiro, constituído por uma nação que
se faz dependente desde a ocupação territorial do século XVI pela Europa
Luso-Anglo-Francesa-Holandesa e a partir da segunda metade do século XIX pela
ocupação intelectual e econômica Estadounidense, tornou-se parte de sua
constituição de povo depender dos saberes, hábitos e costumes gerados naqueles
ambientes estrangeiros e aqui introduzidos, na medida em que as populações
nativas aqui existentes quando da ocupação territorial inicial não puderam fazer
prevalecer os saberes que já haviam produzido no que tange a técnicas agrícolas e médicas e em filosofia e
ética. Isso se deu, em particular, pela ausência de sistemas de escrita
competitivos com aqueles então inseridos pelos europeus, de modo a poder
influenciar a estes.
Admito
como satisfatória para esta reflexão que ora exponho a percepção de Nietzsche,
quanto ao contexto europeu das práticas associadas à escrita, e relacionadas à proveniência
dos sábios, pois vejo nessa percepção uma expressão muito forte do que se
pode extrair para examinar o contexto brasileiro. Isto é, para apreciar o modo
como vem atuando no ambiente brasileiro todos os que se envolvem na construção,
desenvolvimento e atuação profissional nos campos profissionais e acadêmicos
das áreas de interesse do ENEBD. As palavras de Nietzsche, no livro A Gaia
Ciência são:
Na
Europa o sábio desenvolve-se em todo tipo de classes e condições sociais, como
planta que não necessita de terreno específico [...] os filhos de qualquer
espécie de arquivistas e escriturários, cuja tarefa principal foi sempre
ordenar múltiplos materiais, distribui-los por gavetas e, em geral,
esquematizá-los, mostram, no caso de se tornarem sábios, uma predisposição para
considerarem um problema quase solucionado, uma vez reduzido a um esquema.
(p. 260-261, passim).
Se
essa citação dá qualquer noção de uma origem genética, ainda que social, se
isso é possível ser dito, acrescentarei embora rapidamente outra circunstância para
melhor dizer do contexto brasileiro que nos fez chegar até os dias atuais. Trata-se
do momento brasileiro situado nos anos 1960,
especialmente, entre 1965, ano do V Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e
Documentação – CBBD e 1971, ano do VI CBBD e quero ai focalizar o lugar dos
bibliotecários e professores de Biblioteconomia. Em 1965, o país já estava
havia um ano de implantação da ditadura militar. Nesse ano, uma recomendação
dos bibliotecários tirada no CBBD era de que as Escolas constituíssem uma
Associação para poder representar seus interesses e comunicar nos CBBDs as
deliberações produzidas em seus eventos. Em 1967, foi constituída a Associação Brasileira das
Escolas de Biblioteconomia e Documentação - ABEBD. Suas três Assembleias Gerais
inicias foram realizadas com a finalidade de aprovação do primeiro Estatuto.
Nessas três primeiras reuniões esteve presente o Professor William
V. Jackson, da universidade de Pittsburg,
dos Estados Unidos da América. No artigo 2º. desse Estatuto, que trata das
finalidades a serem atendidas pela Associação, em sua letra g, consta a
explicitação da condição de entidade política e socialmente “desengajada”,
conforme a seguinte afirmação [g.
defender os interesses das instituições que a integram sem envolver-se em
problemas de ordem política, religiosa ou racial].
Digo, então, que esses poucos fatores que
até agora expus mostram as dificuldades que os profissionais da informação,
especialmente, os bibliotecários tem a vencer para transformar quaisquer de
suas práticas. Traçando algumas relações a partir do que foi dito,
evidentemente, abertas à discussão e carentes de mais investimento em pesquisa histórica dessas
profissões no Brasil, vejo: Primeiro - na visão de Nietzsche arquivistas e
escriturários, e essas atividades as associo, em parte de seus modos de
operação, aos profissionais da informação referidos neste ENEBD, consideram que
as respostas são válidas e suficientes quando
reduzem os problemas a esquematizações; Segundo – na origem de sua organização
como grupo, via Associação, que em si é instrumento político, os professores de
Biblioteconomia e Documentação brasileiros, renunciaram a tratar de questões
relativas à política; Terceiro – cada
vez mais os estudantes dessas áreas se embrenham no mundo da produção
científica que, como afirma Nietzsche, é o tratamento de um probleminha
pequeno e muitas vezes sem sentido. Tudo indica que essa prática de
iniciação científica tem como único propósito levar os estudantes a fazer
aproximações com metodologias, mas sem necessariamente relacionar tais
metodologias com a Ontologia e Teleologia do objeto/tema
estudado, o que, no final, resultará em quase nada. TCCs, trabalhos em eventos
estudantis, etc., são caminhos para desviar das questões em si socialmente
relevantes. A ciência, diz Flusser, na medida em que se basta na produção de
respostas às questões formais desvaloriza e despolitiza a realidade; Quarto –
todxs aqui reunidos querem conhecer que esquema [como transformar as práticas Políticas do Profissional da Informação] pode ser-lhes entregue
para transformar as práticas políticas do Profissional da Informação. Creio que
isso seja impossível! Uma condição razoável para transformar é distanciar-se da
forma, do formalismo, das questões formais, isto é, precisa-se saltar fora do
“como”. Para dizer de outra maneira, antes deveremos discutir as questões de
fundo (ontológicas, teleológicas e axiológicas) que levem a respostas finais e
causais associadas aos campos profissionais e aos seus criadores e operadores.
Entretanto,
para não dizer que não há flores e que delas não falei, farei uma reflexão que,
em parte, reflete um pouco dos rumos que tomei para realizar, pessoalmente,
algumas práticas profissionais, ao longo de minha carreira, até agora, mas que
em si, não podem ser reduzidas a um
esquema, não podem meramente responder a um “como”.
Sem
o menor propósito de produzir um esquema, insisto, tenho para mim que as
Práticas políticas do profissional têm duas vertentes:
Primeira – A interioridade
ou o que se dá no plano do coletivo profissional ou de uma pessoa constituída
pela totalidade dos indivíduos que praticam uma profissão. Essa pessoa é a
Associação Profissional ou o Sindicato, ou o Fórum de reunião dessas Entidades,
que se consolida pela conjugação orientada por um objetivo negociado para ser
alcançado como resposta média aos objetivos de cada pessoa ou indivíduo que porta ou representa uma profissão ou grupo profissional. Essa
interioridade implica na conquista do sentimento por toda pessoa individual e
pela pessoa coletiva (expresso em seus discursos institucionais) de autovalorização
e fortalecimento de identidade profissional. O sentimento de autovalorização e fortalecimento
de identidade profissional vai ser refletido nas práticas políticas específicas
e nos meios que a pessoa individual e coletiva emprega para reafirmá-las e
negociá-las continuamente entre si e com a sociedade.
As práticas poderiam ser:
- Definição coletiva das
características e tipologias profissionais e sua propagação coletiva e
individual interpares e intercampos;
- Definição, negociação interna
e intercampos, com vistas à implantação da constituição de estruturas de formação profissional e
científica, cobrindo as várias frentes de atuação profissional, com avaliação
continua de resultados;
- Aperfeiçoamento contínuo,
implicando em participar do consumo de cursos em vários níveis acadêmicos, de
palestras, da participação em viagens de estudos, etc.;
- Produção e difusão de conhecimentos
contextuais, implicando na construção textual, edição e distribuição de livros,
periódicos, em forma de ensaios, de artigos científicos, estudos estéticos,
filosóficos, históricos, sociais, políticos, etc.
- Produção e difusão de
conhecimentos especializados, fomentando a construção textual, edição e
distribuição de livros, periódicos, em forma de ensaios, de artigos
científicos, sobre todos os temas constituídos pela dinâmica das ações
profissionais, etc.
- Criação, manutenção e expansão
de instâncias de representação social, política e econômica, de caráter
voluntário, a fim de fortalecer os espaços de negociação interna e intercampos com
vistas a confirmar continuamente os sentimentos de autovalorização e
fortalecimento de identidade profissional.
Segunda – A exterioridade
que se dá pela expressão de valorização dos destinatários das ações
profissionais. Em geral, a exterioridade é anunciada por meio de Declarações e
manifestos de boas práticas, em que pela clareza que o coletivo profissional
tem do valor de sua atuação social pode assumir compromissos de atender
apropriadamente aos consumidores de suas competências profissionais. Isso
implica em promover o bem estar da sociedade no âmbito das ações profissionais
que realiza, reconhecendo e respeitando as formas de fazer valer os direitos
humanos e sociais fundamentais da igualdade, liberdade, solidariedade ou em
outros termos, adotando orientações como as postuladas no Código de Ética da
IFLA em termos gerais, adaptando-o às condições de sua realidade política,
social e econômica e, em particular, às especificidades de seu setor de
atuação, considerando que as boas práticas transitam entre uma universalidade e
uma particularidade. O relacionamento interpessoal, preservados valores gerais,
é distinto em contextos distintos.
As práticas decorreriam de:
- Estar treinado e sentir-se
capaz como coletivo e individuo para envolver as comunidades em que atua;
- Sentir-se capaz e por em
prática continuamente atividades de planejamento coletivo, tomando decisões
referendadas pelos interessados no resultado final dos serviços oferecidos,
considerando todos os fatores interferentes, isto é, os meios apropriados e os
fins desejáveis, nas dimensões políticas, técnicas e econômicas;
- Manter estratégias e estruturas de recebimento
continuo de retroalimentação dos sistemas em operação a fim de tê-los
atualizados e úteis aos destinatários das ações profissionais;
- Manter estratégias e
estruturas de continua conversação e negociação com instâncias formadoras,
financiadoras e reguladoras das ações profissionais.
Concluindo,
situo as práticas políticas profissionais como diretrizes para a ação; não vejo
como transformá-las sem que se eleja a partir de discussão os meios que se pode
empregar. Talvez sejam nos meios que se situam os problemas, pois os meios,
como instrumentalidade, requerem uma materialidade filosoficamente sustentada
para a qual não se está dando a devida importância. Isso talvez tenha a ver com
o fato de que Os Por ques e Os Para ques nesses campos profissionais precisam
ser mais discutidos. Nos meios que se tem hoje estabelecidos vê-se: Associações
profissionais fragilizadas; falsa ideia de representatividade profissional e
desconhecimento dos papéis das entidades existentes; desencontro com o quadro
legal – constitucional do país; Código de Ética profissional que não se ajusta
aos dias atuais; postura profissional isolacionista; frágil noção de autoridade
profissional; etc.
Fontes
referidas:
FLUSSER, Vilém. Pós-história.
São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 41-48.
IFLA. Código de ética da IFLA
para bibliotecários e outros profissionais da informação. http://www.ifla.org/files/assets/faife/codesofethics/portuguesecodeofethicsfull.pdf. Acesso em: 15 jul. 2015.
NIETZSCHE,
Friedrich. A gaia ciência. Lisboa: Relógio D’Água,
1998.
SAFRANSKI, Rudiger. NIETZSCHE: biografia de uma
tragédia. São Paulo: Geração
Editorial, 2012.
A seguir relaciono algumas
ações em que participei, tentando a partir do meu lugar de docente/pesquisador,
mobilizar ideias cuja execução envolveriam a participação de outros:
Revista
ENCONTROS BIBLI
UFSC
– PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Doutorado
e Mestrado
UFSC
– Departamento de Ciência da Informação
FORUM
EBCIB – Entidades da Biblioteconomia e Ciência da Informação no Brasil
SIMPÓSIO
PRÁTICAS ÉTICO-PROFISSIONAIS DE BIBLIOTECÁRIOS E ARQUIVISTAS
NOME
DO CED – Campanha
REDE
MUNICIPAL DE BIBLIOTECAS PÚBLICAS EM FLORIANÓPOLIS – Campanha
INFOHOME
– Coluna : PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA
Blog
: ÉTICA E PROFISSÃO BIBLIOTECÁRIA
03/12/2014
A PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
A PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO[*]
Francisco
das Chagas de Souza
Departamento
de Ciência da Informação
Universidade
Federal de Santa Catarina
Grupo de
Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade – GrITS
Linha:
Informação, educação, ética e representação de sociedade
No
mês passado, dia 13 de novembro, Manoel de Barros e seu corpo separaram-se. Em
1991, 27 de novembro, Vilém Flusser e seu corpo separaram-se. Em 1900, 25 de
agosto, Friedrich Nietzsche e seu corpo também se separaram.
Barros
deixou seu corpo aos 97 anos de idade, após alguns dias de internação
hospitalar. Flusser deixou seu corpo aos 71 anos de idade, num acidente
automobilístico com morte imediata. Nietzsche, diferentemente dos dois
anteriormente citados, por sofrer demência nos dez últimos de vida, foi deixando o seu corpo aos poucos, só o
entregando à natureza já próximo dos seus 56 anos de idade.
Quem
foram essas pessoas? O que fizeram como atividade que os torna lembrados? Uma
das coisas a ligá-los é que falaram com distintas conotações de informação,
ciência e comunicação. Também falaram de pesquisa. Nietzsche tratou da ciência
em vários momentos de sua produção escrita, do sentido da pesquisa científica e
no aforismo 348 de “A Gaia Ciência” caracterizou pessoas que cuidam de acervos
de documentos.
De
acordo com Safranski, um dos biógrafos de Nietzsche, este reconheceu a finalidade
da ciência, ao mirá-la no momento em que ela começa a ser reconhecida no
contexto da atividade econômica. Ao tentar abordá-la ontologicamente, captou-a
naquilo que mais a revela, isto é, metodologicamente, enxergando-a como processo
e produto da instrumentalização industrial e da vida humana. É de Safranski o
seguinte trecho:
Para o pensamento filosófico, no começo da era industrial, as
dimensões duradouras do Ser, isto é, Natureza e História, começam pois a
transformar-se numa espécie de máquina. A essas “máquinas”, pensam os otimistas
entre os contemporâneos de Nietzsche, podemos confiar a produção da vida bem
sucedida, sob o pressuposto, todavia, de que nos portemos conforme nossas
funções. A transformação do “processo mundial” hegeliano em funcionamento
mecânico e dispositivos industriais foi descoberta por Nietzsche, com fina
sensibilidade, em seu território mais próximo, a ciência filológica. Formamos os jovens para os levar ao
mercado de trabalho científico, lá colocamos cada um
diante de um tema e um probleminha pequeno para que ele o trabalhe
diligentemente, o todo é uma fábrica científica; não sabemos para que o
produto de diligência servem; em todo o caso, eles dão sustento ao seu
produtor. Na descrição dessa situação, Nietzsche para em um momento e recorda
seu uso linguístico: mas
involuntariamente aparecem em nossos lábios as palavras “fábrica, mercado de
trabalho, oferta, aproveitamento” – e todos esses auxiliares do egoísmo –
quando queremos descrever a mais recente geração de intelectuais. (SAFRANSKI, p.110-111).
Se considerarmos que toda a ciência
é ciência pelo que manifesta, só podemos saber que ela é, quando conhecemos os protocolos,
a comunicação, os textos escritos formalizados como relatórios e artigos do que,
comumente, chama-se produção de ciência.
Manoel de Barros, como incansável
buscador de palavras para, a partir do encontrá-las, externar a sua própria
subjetividade, distingue informação de poesia. Para ele, informação por ser
instrumento de divulgação é casca e isso a torna muito diferentemente de criação
que, por ser o trabalho do poeta, é conteúdo. Ele afirma que:
O que progrediu no nosso milênio foi a informação. A
poesia está no lugar de quando Homero, de quando Shakespeare. Poesia não
depende de informação. Informação não aumenta nem diminui a poesia. [...] Onde
a palavra poética chega a informação não alcança. Poesia é a essência.
Informação é casca. O poeta cria. A informação divulga. Há um lado do homem que
precisa da informação para se cumprir. Há outro lado do homem que precisa da
poesia para se completar. Porque a gente é incompleta. Porque a gente é uma falta.
Informação preenche a necessidade de estar. Poesia preenche a necessidade de
Ser. Enquanto a gente não virar robô, a poesia é necessária. Precisamos do
feitiço das palavras e não da casca das palavras. Manoel de Barros - Série Encontros, Azougue
Editorial (p. 157)
Vilém
Flusser, no ensaio Nosso Saber inserido no livro Pós-história (1983), vê a
ciência como a extinção da verdadeira sabedoria. A verdadeira sabedoria vem da
profundidade do ser humano e, por isso, é carregada de valor. A ciência destrói
os valores. Tende a ser estéril. Ela supera as explicações finais (que
respondem às perguntas formuladas com a expressão “para que?”) e as explicações
causais (que respondem às perguntas formuladas com a expressão “por que?”). E
essa superação se externaliza pela construção de explicações formais (isto é,
com perguntas formuladas com o termo “como?”). Em torno do termo “como” se faz
a produção da ciência, de onde vem a
preocupação cada vez maior com a dimensão metodológica. Flusser diz que a ordem
histórica de formulação das questões e das consequentes respostas, isto é, do
que hoje se chama produção do conhecimento, foi essa: compreender a finalidade,
compreender a causalidade e compreender a formalidade. Nesta última está a forma
científica. (p. 41) . Flusser diz ainda mais:
Eis pois a situação do
saber atualmente: sabemos incomparavelmente mais que as gerações precedentes. O
universo do discurso da ciência vai-se amplificando e aprofundando. As nossas
perguntas estão se tornando sempre mais férteis, e provocam sempre novas
perguntas. As respostas que estamos recebendo a tais perguntas estão se
tornando sempre menos satisfatórias, e o universo está se tornando sempre mais
isento de valores e de causas. Todo saber extracientífico vai sendo
desmascarado como ideológico, e a ciência nos emancipa de tais ideologias. E as
nossas perguntas existenciais vão se revelando “más perguntas”. Não há mais
espaço para a sabedoria. O saber progride absurdamente. O universo do discurso
das ciências em expansão sem limites vai amputando suas dimensões valorativas e
causais, e vai se tornando mais formal, vazio. Universo existencialmente
insignificante. Isto é constatável pelo fato de não ser apenas universo
inimaginável, mas universo que, quando imaginado, é falseado. A ciência nos diz
que quando o procuramos imaginar, estamos recebendo mal suas mensagens. De modo
que o saber científico se refere a um universo que não mais diz respeito ao
mundo no qual vivemos concretamente. O
saber científico se tornou absurdo. (p. 46)
Para
ficarmos nessas reflexões, para não alongarmos com outros olhares a trajetória
visando fixar um ponto de partida para a nossa apreciação neste diálogo desta
noite, sobre o que poderia ser pesquisa em Ciência da Informação, já nos parece bastante perceber que os filósofos referidos: Barros,
Flusser e Nietzsche embora não desprezem a ciência como um dos resultados da ação humana a veem de
perspectivas que colocam o trabalho do cientista como subproduto da sabedoria.
Sabedoria em Flusser não é o saber, pois o saber é ciência; sabedoria é a
ciência transformada, interiorizada, assimilada; sabedoria é conhecimento. Em
Barros, conhecimento é poesia; claramente a ciência é a informação dita por ele.
Os homens precisam de poesia para serem (essência) e de informação para estarem
(aparência). Informação é, meramente, instrumento, isto é, em sua linguagem,
casca. Em Nietzsche, “ciência” e “fazer ciência” são produto e fabricação de
produto. Cientistas, estudantes de ciência, iniciantes científicos, mestrandos,
doutorandos e outros a eles assemelhados são peças de uma linha de produção que
existe, meramente, porque há um mercado que assimila o resultado de sua
atividade. Estão todos situados no espaço de uma formalização e, grande parte
desses que nele estão não têm a menor noção do que fazem, pois meramente o
fazem.
Chegando neste ponto de
nossa reflexão indagamos do que se trata a pesquisa em Ciência da Informação. O
que nesta se fabrica? E como se fabrica? São essas as questões,
flusserianamente, possíveis, isto é, por serem questões de forma uma vez que são as questões se cabem sob a
perspectiva metodológica, as questões relativas
ao fazer, as questões isentas de valores e de causas, isto é, são
questões programáticas que, necessariamente, distanciam o ser humano e sua
finalidade.
Será que é isso mesmo o
que temos a discutir? Será que neste momento em um país em que tudo está em
questão, a nossa questão é continuar a discutir a razão instrumental? A recente
disputa eleitoral para a escolha de Chefe de Estado e de Governo no Brasil
evidenciou esses dois polos de questões: 1 - Porque e para quem há Estado, e 2
– Como o Estado deve atuar? Como não se trata de uma escolha com as
características de “par” x “impar”, na medida em que na escala de uma nação,
subdividida em várias construções culturais decorrentes das origens e vivências
das populações aqui estabelecidas, os dois polos se interagem, se integram por
consensos e conflitos contínuos, em que finalidades e causas não podem ser
simplesmente desprezadas em prol das formas.
Esse mesmo raciocínio,
de não se tratar de uma escolha com as características de “par” x “impar”, vale para esta discussão. Desde os anos
medianos da década de 1960 uma avassaladora concepção formalista de informação
e usuário de informação invadiu o espaço das práticas bibliotecárias
brasileiras dantes reconhecido pela predominância da presença de biblioteca e
leitor ou utilizador de coleções. O resultado dessa invasão é que as possíveis pesquisas
sobre leitor e condições de leitura, com vieses psicológicos, históricos e
sociológicos; sobre produção de cultura escrita e difusão de poesia, ficção,
filosofia, etc., passaram a ser substituídos por pesquisas sobre usuário e uso
de informação; gestão de recursos informacionais; economia e arquitetura de
informação; tecnologia e organização automática da informação, etc. Ora, a
pesquisa que não fora nem iniciada para o primeiro grupo temático ou mal
começava a ser feita, não teve espaço para sua floração. No espaço científico
brasileiro não se propiciou ao menos que
germinasse a semente da pesquisa em Biblioteconomia e das coisas da biblioteca.
Coincidência ou não, os fatos políticos liderados pelo conservadorismo
econômico aliado com o poder militar a eles identificados sufocaram o movimento
que tenuemente se desenvolvia nas bibliotecas públicas e nas escolas, por força
de uma presença dominante entre os/as estudantes de biblioteconomia dos anos 1950
e 1960 de candidatos provindos da área pedagógica.
O que se viu então foi
que os setores de bibliotecas públicas e escolares foram os mais sufocados e afetados
economicamente e, em consequência, com o esvaziamento de recursos, deu-se a
fuga ou a não disponibilidade de formação e de profissionais para atuarem
nestes setores. Testemunha disso hoje é a chamada lei da biblioteca escolar, a
tentativa de criação de uma lei geral de biblioteca no Brasil e o minguado
número de egressos de Cursos de Biblioteconomia, anualmente, no sistema
presencial.
Capitaneada pelo IBBD, por
seu Curso de Mestrado em Ciência da Informação e por sua revista Ciência da
Informação, a pesquisa em Ciência da Informação, foi imposta para atender
juntamente a outros projetos à altura dos anos iniciais da década de 1970 à
politização de um modernismo conservador. Isso colocava claramente a negação e
a restrição de uma politização social. Impunha como alternativa o silêncio, a
fuga de quem assim se portava ou sua assimilação aos bons salários e outros
benefícios produzidos pela tecnocratização do serviço público em atendimento às demandas de um setor industrial,
pautado pelos referenciais estadunidenses.
Assim, precisamos,
parece-me, saber mais das origens dessa pesquisa em Ciência da Informação no
Brasil, e saber mais da extensão de sua instrumentalidade. Saber mais sobre como
ela evoluiu. Que temáticas constituiu? Quais dessas temáticas mais reúnem
pesquisadores? Enfim, saber mais como funciona a fábrica da ciência da
informação brasileira e qual o seu alcance? Ou melhor, como funciona essa
fábrica de cascas? Tem ela o propósito de chegar a alguma essência? Também
precisamos saber melhor sobre os prejuízos sociais que ela produziu.
Há algum tempo, tento
refletir sobre o que poderia fazer parte dessa fabricação da ciência da
informação, sob uma perspectiva que atendesse à construção de uma explicação
sobre uma possível essência que a informa, isto é, sobre seus fins e sobre as
causas de sua existência. Cheguei a uma percepção
de cenários e usos de informação que expus por ocasião do XII ENANCIB (2011) no
GT1, em texto intitulado: “Sociedade, informação, condições e cenários dos usos sociais
da informação”. Ainda é muito pouco.
Ao concluir aquele texto,
cheguei ao seguinte:
[...]
há um debate em aberto, continuamente em aberto, em torno dos conceitos de
informação e sociedade. Este debate se impõe como parte de um movimento
dialógico que envolve a todos na direção de uma resignificação do lugar do
humano. Quando as pessoas humanas, também designadas indivíduos interagem é,
aí, nesse momento de relações mútuas, que se estabelece a sociedade.
Assim, o conceito de sociedade não está
dotado da autonomia necessária para representar as populações de uma dada
nação, com Estado constituído e com suas distintas comunidades, incluídos os
profissionais da ciência, para ser tida como receptora de políticas de
informação.
Uma perspectiva surpreendente é que o
conceito de sociedade, ainda que não possa ser tomado como sinônimo imediato do
conceito de informação, naquilo que concerne ao campo da Ciência da Informação,
[...] tem tanta similaridade com aquele,
quanto à essência própria, que se tornam ambos, numa imagem, representáveis na
figura de uma moeda, as faces indistintas da mesma. Talvez uma imagem ainda
mais representativa seja a de informação e de sociedade figurando-se como as
páginas que constituem uma folha de papel, sem pauta e sem definição a priori de frente e de verso.
Considerando essa perspectiva o que se
chama de sociedade da informação não seria tão somente um conjunto de mundos
humanos interagentes ou em relação pelo uso de conteúdos com fins econômicos e
de conformação em torno da existência? E, em sendo assim, denominar tais mundos
de sociedade da informação não seria uma forma de escamotear interesses de
dominação e mando que, se dando pela relação dos contatos dialógicos de núcleos
muito concentrados de poder, transformam as transações de máquinas em discursos
que, no interesse majoritariamente econômico, dominam as relações humanas
assimilando as pessoas a funções complementares ao mero, mas não menos
significativo, funcionamento esterilizante das máquinas?
A mim parece, neste momento
brasileiro, que não é possível falar de pesquisa em Ciência da Informação,
somente pelo viés da objetividade formal que o discurso da ciência tem como
central, segundo a perspectiva de Flusser, que é a negação de valor ou
finalidade, de causa ou origem de conteúdo humano e social. Não é sustentável,
socialmente, tomar o nosso trabalho, sua condução e o envolvimento de
aprendizes de pesquisa pela mera instalação de um processo que assimila a
fábrica. Carece de sentido esse processo que pauta como finalidade a eleição
tema, redação de projetos, captação de
recursos, cumprimento de protocolos de coleta, tratamento e análise de dados,
geração de relatórios, produção de comunicações, artigos, TCCs, dissertações,
teses, etc., mas nem sempre sendo capaz de ser compreendido pela sociedade toda.
Certamente, sendo incapaz de comunicar
para uma pessoa muito simples, por exemplo, o mendigo que está na calçada da
praça em que transitamos o sentido que nosso trabalho tem para a melhoria de
sua vida. Se não podemos chegar a tal alcance, como podermos justificar o bom uso dos tributos que essa pessoa como
consumidora paga ao estado ou a outro
empregador, ou financiador de nossa fabricação?
Respondendo um pouco a esse tipo de
preocupação, nós, em nosso Grupo de Pesquisas, nos importamos muito com a teoria
fenomenológica, com a constituição do ser humano e do ser social, com a
construção do ser social, com a cotidianidade, com a comunicação e interação de
humanos, com o mundo vivido. Essa é a resposta possível que encontramos para
tentar estar num mundo que não deve ver, ou mesmo não quer ver, a ciência
apenas como método. Se isso acontecer, queremos entender como entendia Flusser,
a ciência é crise, ela está na dimensão em que se perdeu o sentido do humano. (p.
47)
Nos anos recentes nossas pesquisas abordam
temas que buscam envolver as pessoas que com eles estão enlaçadas. Utilizam
teorias iluminadoras desses temas, a partir de postura interdisciplinar. Adotam
métodos que derivam dessas teorias e técnicas que se ajustam ao envolvimento
daquelas pessoas que se entrelaçam com os temas que constituem o nosso programa
de pesquisa. Das tantas dissertações produzidas na linha de que participo duas
foram reconhecidas e premiadas com Prêmio ANCIB de 2011 e 2012. Acredito que
isso ocorreu porque ao inserir a visão fenomenológica e a busca da dimensão
humana, essas dissertações, seu modo de apresentar o objeto, conceito, teoria,
método, procedimentos de trabalho, resultados e interpretação dos resultados, sensibilizaram com seu teor, de ser mais que
mera ciência, aos avaliadores desse
prêmio.
Para finalizar, a companhia de
nossos mestres filósofos e poetas, Manoel de Barros, Vilém Flusser e Friedrich
Nietzsche tem sido inspiradora de nossos ensaios, em que dizer da realidade
humana vem antes de dar forma ao vazio humano que tem predominado no discurso da ciência da
informação em nosso meio.
Referências
FLUSSER, Vilém. Nosso saber. In: ____. Pós-história;
vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cidades, 1983. P. 41-47.
MULLER,
A. Eu sou o rascunho de um sonho. In: MULLER, A. (Org.) Manoel de Barros. Rio
de Janeiro: Beco do Azougue, 2010.p. 40-171.
(Encontros).
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Lisboa: Relógio
D’Àgua, 1998. 322 p.
SAFRANSKI, Rudiger. NIETZSCHE: biografia de uma tragédia. São Paulo: Geração Editorial, 2012. 363 p.
SOUZA, F. C. Sociedade, informação, condições e cenários
dos usos sociais da informação. In: XII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa
em Ciência da Informação, 2011, Brasilia, DF. Anais do XII Encontro Nacional de
Pesquisa em Ciência da Informação. Brasilia: Thesaurus, 2011. v. 1. p. 122-136.
Dissertações contempladas com Prêmio ANCIB.
ANO 2011
Daniella Pizarro. Ética profissional do
bibliotecário atuante no segmento empresarial em Santa Catarina. 2010.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Orientador: Francisco das Chagas de Souza.
ANO 2012
Ana
Claudia Perpetuo de Oliveira da Silva. É preciso estar atento: a ética no
pensamento expresso dos líderes de bibliotecas comunitárias. 2011. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de Santa Catarina, .
Orientador: Francisco das Chagas de Souza.
[*] Conferência proferida em 02 de dezembro de 2014,
na programação comemorativa dos 40 anos do Curso de Biblioteconomia da UFES, em
Vitória – ES, como parte do tema -
"Diálogos em torno da pesquisa em Ciências Sociais e Ciência da
Informação". Conferencistas: Dr. Francisco das Chagas de Souza (UFSC) e
Dra. Denise Meyrelles de Jesus (UFES) - Mediador: Dr. José
Alimateia de Aquino Ramos (UFES).
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