26/07/2012

Entidades registradoras de bibliotecários servem a que?[Julho/2012]

Há que se apreciar coisas peculiares que existem no Brasil atual. Elas tendem a justificar a si mesmas; contém traços componentes da uma determinada cultura europeia transplantada pelos portugueses a partir da invasão do espaço físico geográfico então ocupado por populações construtoras de outras culturas. Essas populações detinham culturas imateriais e materiais consolidadas ou em diferentes estágios de complexidade. A cultura trazida pelos portugueses, continha muitos valores culturais do oriente, percebidos por Gilberto Freyre, ao caracterizar o Brasil como a “China tropical” em parte de sua produção social e antropológica. Em particular, essa cultura portuguesa transposta envolvia matrizes religiosas, militares e morais, determinantes de uma modalidade de ação e organização política e administrativa.

No conjunto da herança legada ao Brasil pelos portugueses está uma forma de construção legislativa de fundamentação romana. Uma de suas características é a possibilidade de impor à sociedade legislação que ainda não foi demandada pelos usos e costumes. Fazer prevalecer essa forma de fazer leis e normas é algo que funciona como um instrumental intencionalmente modelador do caráter dos indivíduos e, portanto, esperando que esse se expressaria através de uma conduta tida como desejável aos donos do poder. Donos do poder são pessoas componentes de um segmento da sociedade que por construir e deter instrumentos de posse do meios econômicos e políticos, ocupam os espaços mais centrais de tomada de decisão sobre o funcionamento dos negócios, da justiça, da tributação e coleta de recursos econômicos que decidem extrair das demais camadas e grupos sociais, visando sustentar continuamente o seu lugar na sociedade. Evidentemente, os donos do poder detém uma ideologia que lhes interessa fazer valer. Essa ideologia tende a estar impregnada nas mentes de quem fala pelos donos do poder e pensa que deve falar pelos donos do poder. Pode também ser o discurso destinado à sociedade em forma de legislação central propriamente dita (Leis, decretos) ou de uma legislação periférica (Portarias, resoluções), que se integram reunindo numa cadeia de instrumentalidade os donos do poder e aqueles que confirmam a ordem dada pelo legislado em nome dos donos do poder, contribuindo com sua parcela de envolvimento numa simulação do poder de mandar para confirmar aos donos de poder a submissão e servidão dos membros de um grupo profissional, por exemplo.

Esse é o constructo teórico que embasa toda a legislação constituidora dos Conselhos das Profissões em nosso país e confirma parte da herança cultural portuguesa. As profissões regulamentadas no Brasil, que dispõem de um Conselho Profissional próprio, têm com isso, a delegação do Estado para se autocomandarem no desempenho de suas atividades. Elas têm o domínio de duas facetas de poder: A primeira – A categoria profissional expede, como delegada do Estado, mediante um órgão de cadastramento, com a submissão a teste ou não de conhecimento específico pelo requente, uma carteira profissional. Essa carteira configura um passe de “pedágio” com validade determinada e vencimento geralmente anual, renovável a cada ano pelo simples pagamento da anuidade. Há nesse caso, a simples distribuição do poder arrecadatório de tributos do Estado, pelo qual é dada ao grupo profissional a responsabilidade de receber uma taxa anual pela qual é concedida a autorização do exercício da função profissional a uma pessoa no respectivo ano. A segunda faceta de poder – derivada da primeira – é a delegação para fazer a fiscalização do exercício profissional, isto é, ter a posse de instrumento para constatar desvios de conduta e punir todos os indivíduos que estão atuando como profissionais de dada profissão se ter feito no ano em que se dá a aquisição do passe de “pedágio” o respectivo pagamento da anuidade, ou seja, a compra da licença ou alvará para atuação.

Essas são as funções dos Órgãos, oficialmente designados como Conselho Profissional. Entretanto, cabe referir que essas funções, que pertencem ao Estado, têm na própria estrutura do Estado um setor específico que delas cuida. Não fosse isso, como ficariam todas as demais atividades, quanto à legalidade de suas práticas? Esse órgão é a Delegacia Regional do Trabalho, que faz parte do Ministério do Trabalho e do Emprego. Ela registra e fiscaliza o exercício profissional. É com isso que vários profissionais de nível superior como Arquivistas, por exemplo, podem se apresentar na categoria de profissionais de nível superior e ocuparem seu espaço com igual legalidade como nos seus respectivos campos farão os bibliotecários ou agrônomos, por exemplo. Então, vê-se que a manutenção de um Conselho Profissional é uma forma de aumentar os custos dos indivíduos no financiamento da presença do Estado em sua profissão. As suas funções, são funções delegadas do Ministério do Trabalho e do Emprego. Assim, a que servem as entidades registradoras de bibliotecários, ou seja, a que servem os Conselhos Regionais de Biblioteconomia? Servem para que se constitua dentro da profissão um núcleo de poder paraestatal, cuja existência faz uma melhor mediação entre os interesses de bibliotecários, os demais interesses sociais e o próprio estado? São perguntas que se pode fazer.

Sabe-se que, historicamente, os trabalhadores e demais profissionais fizeram contínuos esforços de organização de grupo. Estabeleceram Guildas, corporações de ofícios, associações, sindicatos, etc. para a sua proteção contra concorrentes desleais, contra o Estado, algumas vezes, e para a regulação interna de conduta de pares. Sabe-se que sempre foram acompanhadas de muito perto pelo Estado, em todas as épocas, para que não houvesse a tentativa dessas entidades de contrapor-se ao Estado, por quaisquer formas. Assim, essas entidades sempre procuraram atuar no sentido de contar com o máximo de poder próprio, autonomia, autoridade política em seu âmbito e liberdade de escolha para a busca do econômico, social e politicamente melhor para os seus membros. Desse ponto de vista, as profissões regulamentadas no Brasil, têm em seus Conselhos profissionais a antítese da ideia que dá existência às entidades de classe. Por serem delegados pelo Estado para cumprir uma função de Estado, eles são o Estado: emitem autorização para o exercício profissional, equivalente a uma carteira de trabalho e evitam que exerçam a atividade aqueles que não adquiriram ou renovaram a respectiva licença.

Por servirem ao Estado, aliás, por serem o Estado, os Conselhos não lutarão ou realizarão os benefícios que os profissionais buscam: melhores salários, mais benefícios políticos profissionais, atualização e capacitação profissional, assistência social, benefícios econômicos pela via de acordos com fornecedores de produtos e serviços, etc. Independe de quem esteja nas diretorias desses órgãos, pois eles têm missão, objetivo e funções que são de outra ordem.

No fundo da discussão, considerando o quadro político das cinco últimas décadas do Estado brasileiro, os Conselhos das profissões regulamentadas são agentes estatais que criam obstáculos à atuação das profissões no âmbito de políticas sociais, econômicas e morais. Evidentemente, como parte da peculiar cultura brasileira, que integra hoje além da herança portuguesa e nativa, outras fontes que a conformaram nos últimos duzentos anos, vindas com alemães, italianos, poloneses, austríacos, japoneses, etc., há eventuais quebras de postura aqui e ali com alguma subversão dessa ordem.

Assim, pode-se afirmar que de forma geral, no caso da profissão de bibliotecário os Conselhos regionais têm sido fator de enfraquecimento das Associações profissionais e tem surgido nos últimos dez anos um forte argumento para isso que é de ordem econômica, associado ao medo individual da punição moral e financeira, pela imposição de multas. Quer isso dizer o seguinte: o custo da anuidade do Conselho é assumido e o pagamento é feito pela maioria, porque se não o fizer o profissional poderá ser punido por exercício irregular da profissão e ter os seus dispêndios aumentados ainda mais. No caso das Associações profissionais, o vínculo a elas e o pagamento de contribuições financeiras é de caráter voluntário. Fazê-lo é equivalente a apostar-se na força de coletivos que, reunindo pessoas com objetivos comuns de luta social, põe em ação a consciência de que isso implica em custos e em voluntariado para o exercício de funções de representação. Mas não poucas vezes, no caso das Associações, surge a síndrome do consumidor. Quer dizer: várias pessoas dizem não se associarem às entidades por não verem serviços, dizem que elas nada fazem. Entretanto, algumas dessas pessoas não se autoestimulam a atuar voluntariamente, dando vigor as entidades, e também ao não financiá-las não apoiam a atuação de colegas que têm essa disposição. Assim, forma-se um círculo vicioso de autodestruição, pois é imprescindível o financiamento de seu coletivo para se dar vida as ações da entidade. Desse modo, o Conselho ao ser um competidor econômico da Associação, vai contribuir para a fraqueza dessa entidade por conta dessa síndrome do consumidor.

Finalizando, pode-se concluir que entidades registradoras de bibliotecários são um produto peculiar da estrutura político e administrativa brasileira, fruto da matriz legislativa que conforma o país, e servem para enfraquecer política e financeiramente o movimento associativo. Isso pode independer da vontade das pessoas que atuam nos Conselhos, mas sua gênese foi determinada por esforço dos bibliotecários brasileiros das décadas de 1950 e 1960. Creio que é um tema a ser debatido, sobretudo no escopo da definição do desenvolvimento da profissão de bibliotecário no Brasil.

Escrito em Faro (Algarve) – Portugal, em 02 de julho de 2012.

Entidades profissionais voluntárias de bibliotecários servem a que?[Junho/2012]

Os pensadores têm afirmado, desde quando a filosofia se constituiu na Grécia de há mais de dois mil anos, que a pessoa humana é movida por razões diversas. Para Locke isso se dá para satisfazer a interesses; para Hobbes o medo é que serve de motor; a compaixão é a razão principal, segundo Rousseau; para Schopenhauer, é uma vontade que está além da própria razão que impulsiona; segundo Epicuro, é pela fuga à dor que a pessoa se mobiliza; o motor à ação é o imperativo da razão, de acordo com Kant. A lista de razões não se esgota nessas noções aí expostas. De fato, há tantos caminhos para a busca da verdade e da felicidade quão distinto é o tempo e quão diferente o espaço em que viveram e vivem os filósofos que, no ocidente, mais público tiveram e têm para as noções que intuíram ou intuem.

Como se pode perceber, pretendo aqui aportar uma breve reflexão em torno da moralidade profissional. Supostamente, é esse um tema pertinente à ética, mas pode ser também muito mais relacionado à ontologia e à teleologia de uma profissão, no caso aqui o bibliotecário. Da perspectiva ontológica, isto é, sobre o ser, pode-se perguntar quem é o bibliotecário? Da perspectiva teleológica, isto é, sobre a finalidade de sua existência como papel social, pode-se perguntar para que se destina o bibliotecário. Penso que para ter-se uma mínima ideia de quem é e qual a finalidade do bibliotecário, deve-se olhar em volta, para o contexto social, político, econômico e moral em que ele está inserido. Sendo o bibliotecário uma criatura, cuja existência responde ao interesse de um criador, pode-se inquirir quem é o próprio criador, como ele se modifica no tempo histórico, no espaço social, e como, com isso, suas demandas formalmente se modificam por diversas motivações, pois essa circunstância tende também a modificar a forma de lhe responder engendrada pelo bibliotecário. No entanto, será que essa mudança histórica e social que altera o criador dessa profissão também altera substantivamente o “ser” bibliotecário e a “finalidade” do bibliotecário? Eu tenho uma tendência a pensar que não; se for considerado que, substantivamente, bibliotecário é um elo entre os saberes produzidos e difundidos a partir de e sobre certos meios de acesso e todos aqueles usuários que em certas circunstâncias pessoais e sociais necessitam de chegar a esses meios. Bom, se ser bibliotecário constitui um elo a finalidade dele será determinada pelos recursos que ele terá à sua disposição, provindos do domínio de certos conhecimentos sociais, políticos, históricos, filosóficos, psicológicos, técnicos, tecnológicos etc., com os quais interage como o “ser” que é, solucionando as necessidades que lhe forem expostas pelos usuários para serem por ele resolvidas.

Dito dessa forma parece um tanto mecânico esse jeito de explicitar o “ser” e a “finalidade” do bibliotecário. Ocorre que, assim como se dá com vários outros profissionais, o bibliotecário em sendo criatura, e aqui se mantém separadas as noções de pessoa e papel social que ele cumpre, o bibliotecário não subsiste como pessoa humana senão pela compra de sua força de trabalho e de seu conhecimento por diversos grupos sociais existentes na sociedade. Nessa concepção, ele está assim inserido no conjunto médio – medíocre – ou do segundo homem (pessoa humana) na boa sociedade. Tal inserção seria uma situação “natural”, segundo o entendimento que se pode extrair de uma concepção elaborada por Nietzsche. De certo modo, o bibliotecário existe como filtro entre o leitor e a informação, no dizer de Ortega y Gasset; ou como o mediador da informação como diz Almeida Júnior em anos recentes. Mas voltando a Nietzsche, esse filósofo diz no livro intitulado O Anticristo, algo que pode ser “pinçado” para que ao pensar sobre o ser e sua finalidade se pensar sobre como o ser pode ordenar de diferentes formas a sua conduta enquanto cumpre as ações que constituem a razão de sua criação. Claro está que uma dessas formas de ordenamento, pensando na pessoa humana transmutada em trabalhador, são as entidades voluntárias de organização profissional. Essas, evidentemente, se reconfiguram no tempo e espaço, pois sofrem o sofrimento vivido pelo “ser” do qual é criatura.

Uma vez mais, buscando Nietzsche, encontra-se no seu O Anticristo, quando esse autor faz uma comparação de uma certa ordem social naturalizada onde se manifesta um universo de criadores e criaturas profissionais, a seguinte percepção:

Os homens mais espirituais, sendo os mais fortes, encontram sua felicidade onde outros encontrariam sua destruição (...) Eles não dominam porque querem, mas porque são, eles não são livres para serem os segundos. – Os segundos: são os vigias do direito, os guardiões da ordem e da segurança, são os guerreiros nobres, (...) são os executivos dosmais espirituais (...) aqueles que os aliviam de tudo o que há de grosseiro no trabalho de comandar – são o seu séquito, sua mão direita, seus melhores discípulos. (NIETZSCHE, p. 112)

Uma cultura elevada é uma pirâmide: ela pode se erguer apenas sobre um solo amplo, ela tem como pressuposto, antes de mais nada, uma mediocridade forte e sadiamente consolidada. Os ofícios manuais, o comércio, a agricultura, a ciência, a maior parcela da arte, em uma palavra, todo o complexo das atividades profissionais, é compatível apenas com uma mediana nas capacidades e ambições (...) Há uma determinação natural no fato de que alguém seja uma utilidade pública, uma engrenagem, uma função: não a sociedade, mas a espécie de felicidade de que apenas o grande número é capaz, faz deles máquinas inteligentes. Para os medíocres, ser medíocre é uma felicidade; a mestria em uma só coisa, a especialidade, é um instinto natural. Seria completamente indigno de um espírito profundo ver na mediocridade como tal uma objeção. Ela é inclusive a necessidadeprimeira para que possam existir exceções: uma cultura elevada é condicionada por ela. Se o homem de exceção trata justamente os medíocres com mãos mais delicadas que a si e a seus iguais, isso não é mera cortesia do coração – é simplesmente o seu dever...(...) (NIETZSCHE, p. 113)

Pode-se ver o bibliotecário aí retratado, uma utilidade pública, uma função, uma engrenagem (meio, mediador, elo), máquina inteligente. Desse grupo em que se pode inserir o bibliotecário não se espera uma ação pelo pensar, mas uma ação fazedora, que é bem diferente do comandar. Nessa condição o “ser” é afastado da esfera onde as decisões são tomadas, ou quer ser afastado, ou assume que isso não é com ele. Há várias circunstâncias que o tornam, ou podem torná-lo assim que têm a ver com a pessoa humana que o carrega: origem social, assimilação educacional, valoração do real, etc. Isso não significa, entretanto, que ele não seja capaz de perceber parte dos acontecimentos, que não seja capaz de se indignar às vezes sem saber inteiramente porque, muitas vezes sem a leitura e conhecimento suficientes para avaliar criticamente o real; mas pergunta-se: será ele capaz de fazer a revolução que diz ser necessária quando manifesta ou simula a sua indignação desinformada? Será ele capaz de enxergar o que está fora do lugar e, além disso, será ele capaz de mobilizar-se e mobilizar e, ao mesmo tempo, não se desesperar ao perceber que os demais agem em outro ritmo e, com isso, é capaz de “dar um tempo”, rever o processo de ação e retomá-la visando alguma transformação?

Aqui já se está falando de uma capacidade que se coloca no limiar do segundo, do medíocre, nos limites da máquina, da função, etc.; que poderia estar levando o “ser” a querer transpassar para o mundo dos primeiros. Isto requer várias coisas: refazer a visão e as condições de situar-se no mundo; superar papéis de mediador, função, etc.; recompor o quadro de interações que vivencia e valoriza. Como fazer isso, como deixar de ser “fazedor de coisas” para alcançar o patamar de criador de política social, transfigurador de política social, interlocutor nas deliberações das altas políticas públicas?

Em certa altura da Idade Média ocidental, demonstra Sennett, surgiram as corporações de ofício ou guildas. Ele caracteriza o quadro por elas vivido como um processo dinâmico que, em figuração posterior, recebe outra forma. Mas há um componente importante, é que as corporações de ofício, das quais se desenvolveria a configuração de associações profissionais nos séculos recentes, se constituem para a defesa econômica a partir da organização dos interesses de seus membros. Ou seja, o modelo original de associação servia para: defender renda de seus associados (os seusinteresses), motivado pelo medo da miséria, que era o destino dos não proprietários, contando com a noção de uma compaixão, dada pelo amparo do trabalhador e de seus dependentes imediatos:

A guilda foi uma instituição de defesa contra as tendências autodestrutivas da economia. (...). Tratava-se de uma comunidade que assegurava a saúde dos trabalhadores e de suas viúvas e órfãos. (...). Em geral os conflitos internos eram minimizados em virtude do interesse comum no bem estar do ofício. Os franceses chamaram as guildas de corps de métiers; compilado em 1268, o Livre de métiers enumera cerca de cem ofícios organizados em Paris (...). Embora independentes, os ministros do rei interferiam no seu funcionamento por meio de estatutos elaborados e revisados por ministros que, na melhor das hipóteses, aconselhavam-se com os líderes das associações (SENNETT, p. 206).

Muitos desses estatutos continham regras comportamentais para a concorrência, baixando instruções estritas, por exemplo, proibindo a troca de insultos entre os açougueiros, ou estabelecendo o modo como dois vendedores ambulantes de roupas deveriam gritar, ao mesmo tempo, visando atrair a clientela em potencial. Os primeiros a surgir procuraram criar um controle coletivo, padronizando a produção; eles especificavam a quantidade de material a ser usado na confecção dos artigos, seu peso e o que era mais importante: o preço. (...) (SENNETT, p. 206-207)

Na prática, embora a severidade de suas regras formais aumentasse, as guildas não poderiam lidar com as mudanças correspondentes ao desenvolvimento econômico ao longo do tempo. (SENNETT, p. 207)

Pode-se perceber que alguns dos fatores que mobilizam a pessoa humana, referidos na primeira linha desta coluna, são claramente expostos nesse recorte do texto de Sennett. Daria para perguntar, por outro lado: associados nessas corporações teriam de outra forma a força para conversar, dialogar, de certa maneira, em igualdade de condições com as forças dirigentes do Estado? A despeito da posição que tiveram em dado tempo e espaço, elas vieram a ser reconfiguradas por novas formas de tecnologia, técnicas e por novas ordenações econômicas. Mas enquanto a maioria das guildas vinculadas a atividades econômicas tradicionais vieram a desaparecer sob a forma com que então se organizava, uma outra corporação sobreviveu, de acordo com Sennett, desde o século XII. Há dois motivos: o tipo de produto e o modo de organização de suas atividades. Essa é a Universidade que, como corporação de prestação de serviços, trabalha com o conhecimento e simultaneamente produz o conhecimento que é infraestrutural para o progresso das outras organizações, regendo-se pelo princípio da mudança no conteúdo que oferece, nas modalidades de serviços que dá forma a esse conteúdo, assim como em seus processos autorregulatórios.

Diferindo o feudum rural medieval, que tinha um caráter contratual permanente, e da guilda urbana, que deveria durar a vida toda, as universidades, muitas vezes, renegociavam seus objetivos e sua própria localização, conforme as circunstâncias, constituindo-se em instrumentos econômicos capazes de aproveitar as oportunidades (SENNETT, p. 209).

Embora aparentemente instável, a universidade garantia maior durabilidade, justamente por ser possível reformar suas regras e reorganizá-la se ou quando a conveniência assim o indicasse. (...). Os negócios da universidade não se interrompiam com a morte de seus fundadores, nem por qualquer outro tipo de mudança na realidade, mesmo que fosse a natureza das transações a que objetivava, ou mesmo o local onde elas se realizavam (SENNETT, p. 209).

Sem dúvida, havia pessoas dedicadas ao magistério, mas esses educadores não ocupavam prédios específicos; os primeiros estudantes recebiam suas lições em salas alugadas ou em igrejas. (...) Autônoma, a corporação não tinha vínculos com o lugar nem com o passado. Na prática, o estatuto unia a educação ao comércio, pois suas constantes revisões tornavam indispensáveis pessoas hábeis em manejar a linguagem. A filologia desenvolveu-se nas corporações educacionais (SENNETT, p. 210).

O poder de revisão foi a primeira característica moderna da corporação. Se um estatuto pode ser alterado, sua estrutura transcende, em qualquer tempo, as funções a que se destina. Se, por exemplo, a Universidade de Paris eliminasse uma matéria de seu currículo ou seus professores resolvessem mudar-se para qualquer outro lugar, isso não significaria o fim da instituição. (...) O direito de revisão significava mudar e ser permanente (SENNETT, p. 211).

Desse modo, na universidade, − vista como organização modelada a partir da matriz “corporação de ofício” em que hoje, exceto pela invasão de capitais em busca de lucro financeiro nas instituições criadas pelo setor privado – são os docentes que organizam e dirigem seu próprio processo de trabalho. Partiu dessa entidade um modelo em que o coletivo − isto é, grupos com finalidade similar, voltados à difusão do conhecimento e construção de métodos de conhecer − dispôs uma forma de estrutura na sociedade que é capaz de dar a esse coletivo a força para participar dentre o que Nietzsche denomina os mais fortes. O que levou a isso? O pesquisador, o professor universitário, a despeito de cumprir um papel social e, como indivíduo, de estar a serviço de um comprador final de seu saber, a primeira vinculação dele é com universidade, ele é um meio para sua corporação e ela é uma força social. Essa força social faz a ciência como resultado de uma produção coletiva, interferindo com sua enorme força nas políticas estatais, tanto consolidando a afirmação do que é a ciência, quanto confirmando o que é o fazer científico. Em sociedades com forte poder civil, a universidade está sempre entre os entes mais influentes.

Lembro – de ler − que Mário de Andrade, nos anos 1930, dizia dos bibliotecários que eles eram servidores dos servidores do saber. Ele não se referia a universidades como servidores do saber, até porque na época o Brasil ainda ensaiava estabelecer suas universidades, mas referia-se a pessoas que buscavam a biblioteca pública. Por esse raciocínio de Andrade, pode-se imaginar o bibliotecário como um servidor de segunda ordem. Mas, para o raciocínio recém exposto, no professor universitário está um servidor de primeira ordem, cuja força social que pode deter está na entidade universitária a qual se vincula. Contudo, para que ele próprio possa ficar à altura dela também necessita de uma entidade de intermedição que vem a ser a Associação Docente ou Sindicato o qual necessita ser forte para promover, como entidade coletiva, o diálogo com o seu empregador imediato, isto é, a universidade. Se isso ocorre com o professor universitário, por exemplo, como ficará o servidor de segunda ordem bibliotecário diante de seus tantos empregadores?

Então, quero imaginar que as entidades profissionais de bibliotecários servem à formação de condições objetivas para que, coletivamente, as pessoas que portam a profissão de bibliotecário possam:

a) conquistar individualmente seus interesses materiais, a partir do momento em que tomaram essa profissão como caminho;

b) superar o temor de sofrerem injustiça, miséria moral ou material, isolamento social;

c) exercer a lealdade e solidariedade para com todas as pessoas que, pelo conhecimento, possam atingir suas metas e obter respeito uns dos outros;

d) aprender mais, estudar, conviver, ao reconhecerem no ser humano a superação das limitações ao alcance da vontade que está além da própria razão;

e) sentir-se recompensadas pela escolha feita, pelos resultados pessoais alcançados, pelos laços que as ligam com as demais pessoas com quem direta ou indiretamente convivem;

f) sentir-se movidas por um imperativo da razão através do qual adquiram o sentimento do compromisso social não como mera missão, mas como partilha orientada por uma noção como: dou a sociedade o melhor que sei por reconhecer na sociedade a fonte do que eu próprio sou e sei.

Nesse sentido, posso dizer que em sendo criatura dos bibliotecários as entidades profissionais só podem servir ao que os bibliotecários quiserem. Mesmo que Nietzsche faça elogios ao homem medíocre, para aquele que é máquina inteligente, para aquele que é utilidade pública, de modo nenhum o filósofo aponta que este homem está condenado a não dar nova figuração à realidade. Mesmo que o filósofo não aponte na direção da mudança da ordem social, ele situa em toda a sua obra, que inclui vários outros livros, a discussão de uma “moral de rebanho” na qual se inserem todos aqueles sem a vontade da mudança, todos os crentes em “verdades” prontas. Mas a vontade da mudança manifesta não é capaz de provocar reconfiguração da realidade se quem afirma ter essa vontade não constitui, mantêm forte e faz crescer o envolvimento dos pares em prol de dar qualidades aos caminhos utilizados pelos homens em suas profissões, de modo a alcançar a finalidade individualmente proposta.

Para arrematar esta coluna digo, então, as entidades profissionais voluntárias de bibliotecários só podem servir para os bibliotecários que, de fato, queiram ser bibliotecários. E ser bibliotecário tem que ser uma expressão maior que utilidade social, função, máquina, etc., porque o bibliotecário é portado por uma pessoa humana que é gente, mente que pensa, coração que pulsa e ao ser assim só pode sê-lo em estado de ação coletiva. O pensamento que decide pelo agir coletivo ou que recusa o agir coletivo tem que vir antes, em toda e qualquer pessoa que porta uma função ou papel social! Dependendo da escolha feita por essa pessoa, definidas estão as serventias das entidades profissionais voluntárias!

Algumas Fontes:

ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Ed. 70, 2008.
EPICURO (341-270 a.C., Grécia). Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Ed. UNESP, 2002.
HOBBES, Thomas (1588-1679). Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2009.
HUME, David (1711-1776). Uma investigação sobre os princípios da moral. Trad. João Oscar de Almeida Marques. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995.
KANT, Immanuel (1724-1808). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.
LOCKE, John (1632-1704). Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich (1844-1900). O anticristo. Trad., notas e apres. de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2012.
NIETZSCHE, Friedrich (1844-1900). A filosofia na era trágica dos gregos. Trad. e apres. de Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: L&PM, 2012.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
SCHOPENHAUER, Arthur (1788-1860). Sobre a filosofia e seu método. Org. e Trad. de Flamarion Caldeira Ramos. São Paulo: Hedra, 2010.

SENNETT, Richard. Carne e pedra. Trad. Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.

O juramento do bibliotecário serve a que?[Maio/2012]

Estou empenhado em levantar algumas questões e analisá-las, tendo a expectativa de que poderei estar provocando alguma reflexão sobre práticas éticas dos bibliotecários entre os leitores desta coluna. Circunstancialmente, recebo manifestações de ordem diversa, incluídas as que sugerem a utilização de alguns dos textos aqui publicados para discussão em salas de aula, o que muito me anima. De modo geral, tenho o propósito de buscar o sentido que certas noções que correm no universo discursivo da biblioteconomia podem ter e o valor que em seu conjunto podem formar. Ferez e Chauí, ao construírem a apresentação da vida e obra de Friedrich Nietzsche, para a coleçãoOs pensadores,  afirmaram (NIETZSCHE, p. 9) que constitui propósito daquele filósofo construir uma filosofia que tinha como finalidade interpretar e avaliar. Para esclarecer, disseram que com a interpretação Nietzsche procurava fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; e com a avaliação ele tentava determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos.

Sem estar empenhado em tecer construção filosófica ou nem mesmo reflexão com essa dimensão, me propus a realizar um estudo sobre o valor e sentido que o bibliotecário brasileiro encontra em seu Código de Ética Profissional, situando-o pelas implicações que esse Código produz sobre sua própria pessoa humana e sobre sua identidade, essa constituída a partir do papel profissional que escolheu desenvolver nessa sociedade.

Não me deterei neste momento a detalhar a proposta que está em desenvolvimento e que se insere em um Estágio de Pós-Doutorado que realizo no PPGCIN da UNESP, em Marília, SP, neste ano de 2012. E não o farei porque ainda me confronto com a leitura de fragmentos do quadro muito complexo que constitui o multifacetado discurso profissional do bibliotecário, o qual envolve as entidades que historicamente contribuem com  essa construção. E para a discussão desta coluna de maio de 2012 tomo o juramento do bibliotecário como o fragmento a apreciar. O Código de Ética do Bibliotecário brasileiro (CEBB), como todo mundo sabe, foi inicialmente elaborado no âmbito da FEBAB. Com a criação e implantação do CFB e seus CRBs passou para a alçada desse órgão paragovernamental. Entretanto, no que tange à sua fixação ideológica os Cursos de Biblioteconomia, em geral, assumiram como sua responsabilidade, no ato de colação de grau, de cada nova turma, fazer preceder à entrega dos respectivos diplomas a explicitação pelos respectivos formandos do juramento profissional. Esse juramento está regulamentado pela RESOLUÇAO CFB Nº 6, DE 13 DE JULHO DE 1966. Sua redação, que está completando 46 anos, é constituída por um fragmento do Código de Ética, decorrente da disposição explicitada no artigo 3º, alínea a: “Cumpre ao profissional de Biblioteconomia: preservar o cunho liberal e humanista de sua profissão, fundamentado na liberdade da investigação científica e na dignidade da pessoa humana”.

Constata-se, então, que se há circunstâncias que separam os Cursos de Graduação, as Associações profissionais e os Conselhos de Biblioteconomia, há nesse juramento a coisa que os une sem quaisquer rumores de contestação ou menção da necessidade de alguma discussão, ao menos que eu tenha tido acesso nos anos recentes.

Contudo, duas coisas chamam a atenção para além dessa aliança ideológica. A primeira, diz respeito à efetiva pertinência desse juramento ser proferido durante a solenidade de colação de grau, na maior parte dos cursos de biblioteconomia deste país; a outra, tem relação com as várias possíveis dimensões de sentido que tem esse juramento.

Na primeira situação, o juramento é a aceitação por quem está requerendo o registro profissional de que se sujeitará ao que é ditado pela corporação profissional, através de seu órgão registrador, no caso o Conselho Regional de Biblioteconomia. O que vem ocorrendo é que o bacharelando vem sendo submetido ao juramento para meramente requerer a recepção de seu diploma pelo qual a instituição de ensino atesta ter ele obtido os conteúdos acadêmicos necessários para se apresentar ao Conselho e requerer o registro profissional. Desse modo, a escola se conduz de forma inadequada, primeiro porque assume uma conduta imprópria ao permitir esse procedimento e essa interferência estranha à solenidade de colação de grau e, segundo, porque constrange seus formandos a prestar um juramente de acesso profissional no ambiente que ainda é acadêmico. E esse constrangimento é de ordem tal que não permite àqueles que não ingressarão na profissão recusar naquele momento fazer o juramento.

Cabe perguntar aos dirigentes acadêmicos se por acaso já avaliaram em que consiste o ato de jurar? Que origem tem esse procedimento?

Para não irmos muito distante, tomemos a obra de Thomas Hobbes “Do cidadão”, escrita em 1642, como base para reflexão. Em seu capitulo II – “Da Lei de Natureza relativa aos contratos”, o autor disserta sobre o tema, como se vê, na categoria de um contrato natural. Nesse caso, um contrato com a humanidade. Diz ele:

Jurar é ato de discursar, somando-se a isto uma promessa, por meio da qual aquele que promete declara renunciar à clemência de seu Deus, caso não cumpra com sua palavra. [...] Não é importante se o juramento é promissório ou apenas afirmativo, pois aquele que confirma sua afirmação como em juramento, promete que fala a verdade. (p. 50).

Aqui aparece uma primeira dificuldade para o bacharelando que presta o juramento. Para qual Deus ele está prometendo “renunciar a clemência”? Se levarmos em conta que ele profere seu juramento diante da congregação do Curso ou de um auditório constituído por familiares e amigos e levando-se em conta que não são esses que farão seu registro profissional e a fiscalização de sua conduta como bibliotecário, o juramento foi sem sentido e assim, sem eficácia. Interpretando o ato, ele soa como uma aberração social e moral. Avaliando o ato ele aparece destituído do fundamento que o justificaria, que é o de tornar público a atitude de temor quanto às práticas profissionais futuras, mantendo o alerta para o cumprimento da boa conduta  ética.

Voltando a Hobbes, ele afirmou sobre a origem do ato que:

Os juramentos, portanto, surgiram para que, através da religião e da consideração ao divino poder, os homens tivessem um medo maior de quebrar suas promessas, do que o medo que tinham dos simples homens, a cujos olhos podem mentir. (p. 50).

Aplicado ao ambiente biblioteconômico brasileiro, pelo momento em que acontece, vê-se que este juramento não tem sentido nem valor; é uma exigência no tempo e espaço impróprio. De outro lado, é não educativo, pois tende a contaminar a ideia original de contrato que, como tal, depende da vontade das partes em firmá-lo. Se considerarmos que um número variável de egressos nos Cursos de Biblioteconomia existentes no Brasil, a depender de cada turma, semestre e ano, completará sua formação para dispor de escolarização universitária e que muitos deles não atuarão ou assumirão a busca do registro profissional, pergunta-se porque eles terão que afirmar verbal e solenemente esse contrato? Mas se admitir-se que existam outros fundamentos que o validariam serem realizados nesse momento, esses fundamentos possíveis estão tão obscuros que não se pode intuí-los sem discussão mais ampla. Caso se possa supor que seria muito oneroso que cada bacharel ao buscar a sede do respectivo Conselho Regional fizesse o juramento individual, o próprio fato de se cadastrar e assinar sua adesão à profissão supriria esse aspecto.

Indo novamente ao texto de Hobbes, encontramos que:

Pela definição de juramento podemos entender que um simples contrato não nos torna menos obrigado que aquele que implica um juramento, pois é o contrato que nos liga, o juramento refere-se ao Castigo Divino, que não poderia provocar se o rompimento do contrato em si não fosse ilegal; e não poderia ser ilegal se o contrato não fosse obrigatório [...] o único efeito de um juramento consiste em levar aqueles que se sentem naturalmente inclinados a quebrar todo tipo de promessa, a serem conscientes de suas palavras e ações. (p. 51)

Veja-se, então! Desde 1966 há uma resolução do CFB, acima referida, que institui o texto do juramento profissional, o qual se trata de um destaque de disposição do texto do Código de Ética Profissional. Nesses 45 anos, tudo mudou no país em seu  grande sistema de comunicação de massas; em seu sistema escolar; no sistema político; na modernização e complexidade econômica; em boa parcela das grandes matrizes culturais, mas quase nada na explicitação da regulamentação da conduta profissional do bibliotecário e menos ainda na forma de se dizer: QUERO SER BIBLIOTECÁRIO! De outro lado, na maior parte das solenidades de colação de grau dos Cursos de Biblioteconomia ministrados no Brasil, sem que haja qualquer imposição formal, faz-se uma ação descabida e moralmente questionável de obrigar todos os formandos a explicitar um juramento profissional, mesmo quando se sabe que parte deles não fará o registro profissional para se habilitar ao exercício legal da profissão. Além de se expor a um procedimento que a filosofia política ocidental, através da leitura de Hobbes, não enxerga qualquer sentido desde o início do século XVII, as congregações desses Cursos não estão passando um atestado de que carregam alguma incapacidade de se inserir no mundo, especificamente no contexto brasileiro, em contemporaneidade com a evolução dos fatos e costumes?

Considerando tudo o que foi afirmado: 1 - a que serve obrigar os formandos dos cursos de bacharelado em Biblioteconomia à prestação do juramento instituído pelo CFB durante as solenidades de colação de grau? 2 - a que serve obrigar os egressos dos cursos de bacharelado em Biblioteconomia à prestação do juramento instituído pelo CFB para obter o seu registro profissional?

Bibliografia

HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2009. 288 p.

NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 464 p.
Biblioteca serve para que? Bibliotecário faz o que?[Abril/2012]

Acredito que os bibliotecários ao final do mês de março de 2012, decorrente da divulgação de nova etapa da pesquisa (?) de opinião realizada pelo IBOPE para o Instituto Pró-Livro, intitulada Retratos da Leitura no Brasil, têm mais uma fonte para reflexão, incluindo vários aspectos aos quais chamarei de fatores: a) alto percentual de distanciamento da população desse equipamento designado biblioteca; b) afastamento progressivo daqueles que já utilizaram esse equipamento; c) concepções reducionistas da função da biblioteca na sociedade; d) falta à biblioteca atratividade e estímulo à presença do usuário: e) certo efeito de censura no processo de seleção da coleção.

A reflexão a partir desses fatores, que poderão se configurar como base para a  tematização de vários eventos profissionais e acadêmicos da Biblioteconomia nos próximos meses, certamente perpassa pelas questões éticas, notadamente relacionadas à responsabilidade profissional do bibliotecário diante de uma sociedade de não leitores, que é predominante no Brasil.  

Sabe-se, e ai não se trata de abstração, que o povo brasileiro está  predominantemente centrado no mundo da oralidade, ou seja, muitos falantes e poucos leitores. Isso é tão evidente, que mesmo entre os profissionais das bibliotecas, há aqueles que enviam comunicações eletrônicas e, em seguida, fazem comunicação telefônica ao mesmo destinatário, visando confirmar se esses receberam o “e-mail”, se entenderam a mensagem, etc. Tendo em vista situação dessa natureza, parece razoável que se submeta a questionamento a identidade do bibliotecário como profissional moralmente comprometido com que o seu trabalho produza o máximo benefício para a sociedade.

Entretanto, caberia também perguntar, associado à questão o que faz o bibliotecário, quem é o bibliotecário? Causa certa estranheza que durante boa parte deste mês de março de 2012, não diferente de outros meses de março de outrora, se propalou o dia do bibliotecário com uma obscuridade. Ao longo do mês, foram realizados  vários eventos comemorativos, mas se fez pouco esforço em ressaltar a fonte da homenagem, isto é,  quem é o patrono desse dia. Pouco se fez referência a Manuel Bastos Tigre. Por que? Será pelo fato de Bastos Tigre não ter tido formação acadêmica em Curso de Biblioteconomia? De ter sido publicitário? Ou pelo fato de que ele teve formação em Engenharia Civil e Engenharia Elétrica? Ou ainda pelo fato de que foi bibliotecário de órgãos estatais e universidade federal, mas nunca teve maior envolvimento com bibliotecas públicas e escolares?  

Aliás, por falar em bibliotecas escolares e em bibliotecas públicas, cabe destacar que efetivamente o país tem tido poucas ações consequentes de iniciativas de  bibliotecários formados academicamente como tais no sentido de tornar essas entidades  fontes marcantes na constituição da personalidade dos poucos brasileiros que a elas têm acesso. Os dados da pesquisa (?) Retratos da Leitura no Brasil, parecem ser confirmatórios dessa situação e são reforçados pelas matérias jornalísticas que foram publicadas a título de dar divulgação à tal pesquisa(?), como o texto publicado em 27 de março de 2012, no Jornal O Estado de São Paulo, de Edison Veiga e Paulo Saldana,  “Cerca de 75% dos brasileiros jamais pisaram em uma biblioteca, diz estudo: Pesquisa do Instituto Pró-Livro mostra que 71% da população têm fácil acesso a uma biblioteca(http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,cerca-de-75-dos-brasileiros-jamais-pisaram-em-uma-biblioteca-diz-estudo,854168,0.htm).

Tome-se então a partir dos fatores elencados, o que está expresso pelos brasileiros, segundo a imprensa que trata da referida pesquisa(?). Quanto ao primeiro fator: alto percentual de distanciamento da população desse equipamento designado como biblioteca, o próprio título do artigo de jornal referido evidencia muito claramente que três de cada quatro brasileiros jamais pisou numa biblioteca. Isso aponta para o que? Que bibliotecas não fazem diferença para o cotidiano da maioria das pessoas? Que ter ou não ter biblioteca à disposição não contribui para melhorar ou piorar a vida da quase totalidade das pessoas? Por que essa expressão de indiferença? E isso, pode-se perguntar por fim, tanto faz quanto tanto fez para os bibliotecários?

Não dá para afirmar peremptoriamente que um ou outro bibliotecário em uma ou outra instituição não está preocupado com uma questão de tal magnitude; mas talvez dê para dizer que o coletivo brasileiro de bibliotecários, que deveria ser representado pela Federação de Associações, não expressa uma atitude e uma autodeterminação moral positiva em torno disso. Onde está uma proposição consolidada dos bibliotecários brasileiros em torno disso? Quando uma proposição como essa foi debatida? Se debatida como foi encaminhada e acompanhada? O que esta proposição continha? Quais os resultados que se obteve ao longo das décadas em que a profissão de bibliotecário passou a ter a sua regulamentação (desde 1962) e que essa regulamentação passou a ter efeito (a partir de 1965)? Quais as proposições corretivas, que se acrescentaram à inicial ao longo do tempo? Quem se envolveu na feitura dessa proposição, representando a sociedade civil, o estado, as forças produtivas, os sindicatos, etc.

Penso que bibliotecas podem fazer diferença para o cotidiano da maioria das pessoas se as pessoas podem ver nelas ambiente de construção coletiva. Há várias iniciativas comunitárias no país que mostram isso, como igualmente há a percepção pela população de que a maioria das ditas bibliotecas públicas não passam de meras repartições públicas mal geridas, mal supridas de recursos, com funcionários distantes da população e para onde ir é quase uma punição. Isso vale igualmente para o que se chama de biblioteca escolar, que existe em pouquíssimas escolas, pois na grande maioria o que há são as malditas “salas de leitura”, compostas de coleções semi  abandonadas, mal cuidadas por muita gente sem a menor noção do que pode ser um espaço para o estímulo ao aprendizado e à construção de saber. Também sobre essas, falta uma posição de moral profissional do bibliotecário brasileiro. Onde está uma proposição consolidada dos bibliotecários brasileiros em torno da biblioteca escolar? Quando uma proposição como essa foi debatida? Se debatida como foi encaminhada e acompanhada? O que esta proposição continha? Quais os resultados que se obteve ao longo das décadas em que a profissão de bibliotecário passou a ter a sua regulamentação (desde 1962) e que essa regulamentação passou a ter efeito (a partir de 1965)? Quais as proposições corretivas que se acrescentaram à inicial ao longo do tempo? Quem se envolveu na feitura dessa proposição, representando a sociedade civil, o estado, as forças produtivas, os sindicatos de docentes e de servidores escolares, etc. O máximo a que se chegou, e que pode ser tido apenas como um retalho disso, foi a dita Lei da Biblioteca Escolar, número 12.244, de 24 de maio de  2010, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País, cujo sentido cai muito bem sob aquela velha expressão do século XIX, “é para inglês ver”!

Quanto ao segundo fator:  afastamento progressivo daqueles que já utilizaram esse equipamento, não seria extremamente problemático se tal atitude ocorresse por opção consciente dos leitores. Mas o que se evidencia é que o uso da biblioteca tem sido relacionado ao utilitarismo escolar, querendo isto dizer que enquanto o sujeito era estudante, enquanto estava em formação, a biblioteca se lhe impunha como infraestrutura, boa ou não. As respostas da pesquisa (?) também falam por si: 71% dos participantes responderam que biblioteca é local "para estudar", é "lugar para pesquisa", é "lugar para estudantes". E isso vale, sobretudo, quando se fala da famigerada biblioteca pública. Chama a atenção o fato de que biblioteca, nesta pesquisa (?), é um lugar que pode ser interpretado como para trabalho ou como balcão de empréstimo e isto remete para o terceiro fator:pré-concepções reducionistas da função da biblioteca. Para mais de 70% das pessoas a biblioteca, ainda se fala de biblioteca pública, tendo como função ser um local de trabalho para o usuário. Para 16% das pessoas a biblioteca existe "para emprestar livros de literatura", ou seja, é um balcão, operacionalmente indiferente de uma padaria ou de uma farmácia, etc. Apenas para 12% das pessoas a biblioteca é "Um lugar para lazer". Aqui caberia perguntar quem faz da biblioteca um lugar que produz essas expressões de representação social? Certamente, não é o bibliotecário formado como tal que produz as condições para a biblioteca ser vista assim. Entretanto, não caberia a ele trabalhar efetivamente para contribuir na mudança dessas representações? Novamente, cabe perguntar se há uma atitude de um coletivo brasileiro de bibliotecários acerca desse tipo de circunstância, pois isso  está diretamente implicado em sua moralidade profissional. Onde está uma proposta, aberta para discussão e inserção na formação dos estudantes de Biblioteconomia, de uma Filosofia das práticas profissionais dos bibliotecários brasileiros? Quando tal filosofia começou a ser formulada e em que épocas e com quais resultados vem sendo debatida? Quais seus fundamentos ontológicos, éticos e epistemológicos? Quais os principais debatedores desse processo de formulação que também é identitária, etc. A falta desse tipo de contribuição para a sociedade, pelo coletivo de um grupo profissional nela estabelecido, supostamente não apenas para enfiar livros em estantes, mas para alertá-la sobre humanidade, civilidade e progresso humano, não qualifica esse grupo para colocar a biblioteca em condições de igualdade fenomenológica com os outros meios que essa sociedade constitui. Com isso, descrédito político e moral é a consequência imediata. Isso vai contribuir para o reforço e permanência do quarto fator: falta de atratividade e de estímulo à presença do usuário na biblioteca. Por que ir à biblioteca se ela é tão elementarmente insubstanciosa, se as pessoas que nela atendem são insossas ou desatenciosas, despreparadas ou desinteressadas? A pesquisa (?) aponta que vão à biblioteca frequentemente apenas 8% dos brasileiros, enquanto 17% o fazem de vez em quando. Não deixa de ser preocupante (Para quem? Para os bibliotecários?) que o uso da biblioteca vem caindo, ou seja, o uso frequente desse espaço (que é a biblioteca pública) caiu de 11% para 7% entre 2007 e 2011.

Pensando em apontar contribuições para o debate profissional a ser feito, lembro  que em 2011 foi apresentada no Curso de Mestrado em Ciência da Informação da UFSC uma dissertação em que os dados empíricos foram coletados junto a líderes criadores de bibliotecas comunitárias. Para a maioria dos informantes ouvidos pela autora a repartição pública chamada Biblioteca Pública é uma caricatura do que se poderia querer de um serviço atualizado, dinâmico, estimulante, respeitoso, etc. E, nesse sentido, mesmo que a maioria dos entrevistados não seja totalmente acusadora quanto ao papel exercido pelo Bibliotecário formado como tal, também não desvincula desse, e aí entra em jogo o coletivo bibliotecário, parte da responsabilidade que nele há em relação a esse quadro. (Silva, Ana Claudia Perpétuo de Oliveira da. É preciso estar atento: a ética no pensamento expresso dos líderes de bibliotecas comunitárias. (http://pgcin.paginas.ufsc.br/files/2010/10/SILVA-Ana-Claudia-P-de-O.pdf). Isso tudo que foi dito até agora tem a ver, direta ou indiretamente, com o quinto fator: efeito da censura no processo de seleção da coleção. Nas bibliotecas brasileiras, e isso é feito também pela iniciativa de bibliotecários,  ocorrem processos positivos (isto é, tendo por base  critérios claramente dados em uma política de formação e desenvolvimento que prevêem deliberações colegiadas) ou negativos (isto é, em que não há critérios claramente dados em uma política de formação e desenvolvimento e quando existem ficam sujeitos à interpretação de uma ou poucas pessoas, sem a qualidade formal de colegiado) de seleção dos materiais que compõem a coleção. Evidentemente, os usuários não são tolos e muitos têm uma clara sensação dessa circunstância, que se evidencia a partir da pesquisa (?) quando afirmam na matéria jornalística citada: "Nem pensei em procurar uma biblioteca. Nas livrarias há muita coisa, café, facilidades. E a biblioteca, onde ela está?"; ou “A livraria acaba mais atualizada", para um leitor que revela ler só obras cristãs, fica visível o sentido de sua observação: "Acho que nem tem esse tipo de livro nas bibliotecas."

É relevante, cada vez mais, que os bibliotecários façam mais que cuidar do dia a dia de suas quatro ou quatrocentas paredes, na medida em que antes dos muros há pessoas. E são essas pessoas que assegurarão ou não a permanência social de um grupo bibliotecário formado academicamente como tal. Queixas sobre a qualidade da atuação das bibliotecas em uma sociedade que sanciona a formação acadêmica de bibliotecários são queixas para os bibliotecários, para a escola de biblioteconomia, para associações e sindicatos de bibliotecários. São reclamações que devem ser lidas como uma contribuição política que a sociedade está oferecendo para esse grupo profissional.

Quando uma grande parte das pessoas representa a biblioteca, especialmente a pública, como lugar de trabalho e pouquíssimas a representam como lugar de lazer ou quando certo número de pessoas admitem que nessa biblioteca podem não encontrar determinado tipo de conteúdo, há aí um alerta para que o bibliotecário comece a se ver como estando em desvantagem política e moral.

Evidentemente, não deve haver qualquer desprestígio para os bibliotecários que  o patrono da profissão de bibliotecário no Brasil seja um bibliotecário provisionado que fora Engenheiro, Publicitário, etc. Entretanto, o coletivo bibliotecário brasileiro deve ser múltiplo ainda que academicamente formado para tal e, por isso mesmo, capaz de tornar real e perceptível a serventia da biblioteca seja qual for a natureza desta: pública, escolar, universitária, empresarial ou governamental e tornar mais evidente o que faz o bibliotecário. Isto é um imperativo ético!

Da utilidade social do trabalho do bibliotecário[Março/2012]

O século XVIII testemunhou na Europa a produção reflexiva de vários pensadores, transformada em obras ainda hoje fundamentais para sustentar o pensamento que tem predominância nos ambientes jurídicos, políticos e econômicos do Ocidente. Dentre esses filósofos, conta-se David Hume o celebrado difusor da precedência da ideia de utilidade nas ações morais da sociedade.

Hume é um autor cujas ideias liberais têm também contribuição seminal para o pensamento bibliotecário brasileiro, sintetizadas  no artigo 3º -  inciso “a”  do Código de Ética do CFB, transformado no texto de juramento dos bacharelandos dos Cursos de Biblioteconomia e recitado por ocasião dos atos de colação de grau dos candidatos ao exercício da profissão de bibliotecário.

Art. 3º:- Cumpre ao profissional de Biblioteconomia:
a) preservar o cunho liberal e humanista de sua profissão, fundamentado na liberdade da investigação científica e na dignidade da pessoa humana.

Nesta breve reflexão, me referirei em particular a um aspecto das ideias contidas em sua obra Uma investigação sobre os princípios da moral. Tomo como texto de estudo a edição de 1995, da Editora da Unicamp, cuja tradução foi realizada por José Oscar de Almeida Marques.

Após várias considerações, na seção ou capitulo V da obra, que intitula Por que a utilidade agrada,Hume afirma:

Parece ser uma questão de fato que o aspecto utilidade, em todos os assuntos, é uma fonte de louvor e aprovação; que essa utilidade é constantemente citada em todas as decisões morais relativas ao mérito ou demérito de ações; que ela é a únicaorigem da alta consideração dedicada à justiça, fidelidade, honra, lealdade e castidade; que ela é inseparável de todas as demais virtudes sociais da humanidade, generosidade, caridade, afabilidade, leniência, misericórdia e moderação. E, numa palavra, que ela é o fundamento da parte principal da moral, que se refere à humanidade e aos nossos semelhantes. (p. 99).

Na coluna anterior, referente ao mês de dezembro de 2011, eu havia me referido à expectativa de que o ano de 2012 viesse a ser um ano melhor do que os anteriores para a categoria bibliotecária brasileira. Essa afirmação veio como decorrência de uma ação em desenvolvimento no sentido de se tornar viável a partilha de uma competência de gestão construída e aperfeiçoada pelo Conselho Federal de Biblioteconomia, ao longo dos últimos cinco a seis anos. Partilhar com quem? O CFB se propunha a examinar a possibilidade de partilhar com as demais entidades da mesma categoria profissional. Essas, sendo parte do mesmo universo, se organizaram ao longo dos últimos cinquenta anos para alcançar objetivos específicos, mas necessários ao desenvolvimento acadêmico e político da profissão, porém contando com recursos financeiros e materiais mais incertos e menos previsíveis que os auferidos pelo CFB.

Invoco aqui essa situação possível de ser efetivada por considerar os vários aspectos de utilidade a ela concernentes. Primeiro, por que emana de uma comunidade profissional cuja existência social se fundamenta em sua utilidade sem a percepção do qual ela própria não suportaria a sua permanência diante de várias incompreensões que uma sociedade predominantemente oralista tem a respeito da dinâmica histórica, estabelecida pelas várias tecnologias da escrita e da conservação dos seus meios. Segundo, pelo fato de que a existência do próprio CFB, da FEBAB, da ABECIN, da ANCIB e dos sindicatos de bibliotecários, entidades instituídas pela presença no país da categoria bibliotecária, apontavam para a utilidade das mesmas visando atender às condições de que esta categoria reafirmasse continuamente a sua utilidade para essa sociedade.

Nesse caso específico, a ação do CFB voltada para a transferência desse saber  ultrapassa os limites de generosidade e afabilidade para com as outras entidades; assim como a decisão dos seus conselheiros em torno de um repasse de conhecimento ultrapassa as relações pessoais com os membros dessas outras entidades, pois os resultados obteníveis com a realização de uma oficina de trabalho/estudo dessa natureza visa beneficiar a atuação de todos os membros da sociedade que, direta e indiretamente, demandam serviços de profissionais bibliotecários. Quem são esses membros da sociedade que usufruirão desse ganho? A meu ver: a) todos os professores de todos os níveis de ensino, que para o exercício de suas atividades profissionais não podem bem cumpri-las sem o atendimento especializado de bibliotecários; b) todos os estudantes de todos os níveis de ensino e no nível superior de todas as áreas acadêmicas, que para estudarem, aprenderem, criarem e inovarem não poderão prescindir da atuação especializada de bibliotecários; c) todos os políticos de todos os níveis legislativos, que para tomarem decisões justas e de utilidade social não poderão deixar de contar com o atendimento especializado de bibliotecários; d) todos os magistrados de todas as instâncias e áreas especializadas, que para emitirem seus julgamentos não poderão deixar de contar com o atendimento especializado de bibliotecários; e) todos os administradores públicos de todos os níveis de governo e de todos os setores estatais, que com o atendimento especializado de bibliotecários poderão exercitar melhor os seus encargos tão relevantes à felicidade social; f) todos os proprietários e gestores de todos os negócios privados de qualquer segmento e porte, que  com o atendimento especializado de bibliotecários poderão ampliar o sucesso e lucratividade de seus empreendimentos, gerando mais empregos, tributos e inovações em seus produtos; g) todos os cidadãos, que contando com o atendimento especializado de bibliotecários poderão exercitar melhor os seus deveres de cidadania e fiscalizar melhor os seus direitos humanos.

É, principalmente, por esperar que a realização dessa ação conjunta possa ser mais útil para a sociedade, que inicio o ano de 2012 com o sentimento de que mais conquistas poderão ser obtidas pelos profissionais bibliotecários brasileiros. Porém, esse caminho de resultados requer cada vez mais a explicitação  de questões pelo bibliotecário, como por exemplo: que utilidade social tem o trabalho que o bibliotecário faz? Quem tem a consciência disso?

Será bom o ano novo?[Dezembro/2011]

O ano de 2011 está se encerrando como um evento social cuja existência se manifesta pela existência de um registro: o calendário. Mas, como chegou ele e como sairá no âmbito do cotidiano bibliotecário?

Olhando um pouco para o final de 2010, 2011 seria o ano em que formalmente se completariam os 100 anos da criação do primeiro Curso de formação de bibliotecários no Brasil, a contar do ato que o estabeleceu na Biblioteca Nacional. Aí já se deu o primeiro espanto. Como muitas das coisas criadas no Brasil nessa também não havia o que comemorar, pelo simples fato dessa efeméride demarcar uma atitude burocrática. Esse Curso só seria implantado de fato em 1914 e como recurso interno da Biblioteca para preparar seus quadros. Não havendo o que comemorar em relação à educação de bibliotecários, poder-se-ia mirar em outras facetas da realidade nacional que, traduzidas em serviços para estimular a formação de leitores, desse a dimensão de quanto este país poderá permitir que Bibliotecas sejam instrumentos de efetivo crescimento e progresso.

Mas o que há? Infelizmente não consigo ver o que se possa exultar.

Que importa ter algo a comemorar se ao menos se pode ter algo por que esperar! E eu digo que tenho uma coisa pela qual vou esperar e se acontecer ficarei satisfeito por constatar o feito.

No ano de 2009 tomei parte de uma ação que, tendo sido iniciativa apoiada pela Coordenação do Grupo de Trabalho 6 – GT6 (Informação, Educação e Trabalho) da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação – ANCIB, espaço em que se discutem os resultados de investigações sobre a formação de profissionais, mercado, ética, etc., poderia configurar a interação entre o lugar onde se discute os caminhos da produção de dado conhecimento e as instâncias que são parte do objeto de investigação; mas não só isso, como o lugar real onde se encontram as pessoas e as dúvidas sobre o seu fazer profissional e seu espaço social. Muito bem, seria uma forma de testar até onde o espaço da discussão da investigação em Ciência da Informação poderia colaborar com a organização dos meios para que se fizesse a discussão das condições concretas de atuação das entidades de representação profissional e científica da Ciência da Informação no Brasil.

Naquele ano de 2009, em outubro, o X ENANCIB foi realizado na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. O calor do clima e das pessoas daquele e das que estavam naquele lugar propiciaram uma fraterna avaliação das condições de se pensar sobre estratégias para se construir o fortalecimento e a interconexão das entidades da Ciência da Informação no Brasil. Dessa primeira reunião, participaram um número significativo de interessados e as lideranças da ABECIN, ANCIB, CFB e FEBAB, todos entusiasmados com a ideia. Decidiu-se que até o próximo ENANCIB, o XI, que viria a ser na cidade do Rio de Janeiro, seriam feitas algumas tarefas no âmbito das entidades a fim de ir sendo construída a interação e assentadas as ideias.

Em outubro de 2010, no XI ENANCIB, fez-se a Reunião, agora com a noção de que se estava constituindo um FÓRUM, o Fórum das Entidades da Ciência da Informação no Brasil. Nessa segunda reunião, novamente acolhida pelo GT6 da ANCIB, com significativo número de participantes e representantes ou dirigentes das mesmas entidades que participaram da primeira reunião, discutiu-se e tirou-se deliberações para a realização de duas reuniões em 2011: uma, de caráter preparatório, por ocasião do CBBD realizado em agosto na cidade de Maceió e a outra, a terceira reunião do Fórum, por ocasião do XII ENANCIB, realizado no mês de outubro na capital federal, Brasília. Desta feita, o acolhimento da reunião do Fórum das Entidades foi de iniciativa da própria ANCIB, com a infra-estrutura assegurada pela Faculdade de Ciência da Informação da UNB, a anfitriã do Encontro de Pesquisadores brasileiros da Ciência da Informação, neste ano.

A esta terceira reunião, além das entidades participantes nos anos anteriores, compareceram lideranças do Sindicato dos Bibliotecários do Estado do Rio de Janeiro e do Grupo de profissionais da Documentação e Informação Jurídica.

Ao final da reunião, após todas as lideranças profissionais presentes se manifestarem, chegou-se a um encaminhamento que está ensejando a pergunta que coloquei como título desta mensagem: será bom o ano novo?

É que foi apontada a possibilidade do Conselho Federal de Biblioteconomia oferecer no início de 2012 para as demais entidades uma oficina na qual seriam discutidas estratégias de planejamento e organização de ações nas entidades de representação científica e profissional.  Por que isso é relevante? Todos sabem que nos últimos anos, cinco a seis, o CFB, fruto de um notável esforço de organização, deu um salto qualitativo em seu funcionamento. Como que ele fez isso? Como se pode fazer isso? São estas questões que mobilizariam essa oficina.

Por apostar que venha a ocorrer essa atividade e que a partir dela as demais entidades poderão ter posse dessa tecnologia organizacional, redefinir suas estratégias políticas e operacionais é que expresso a convicção de que poderemos estar caminhando para um bom ano novo.

Boas festas!