[Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Setembro/2008]
Quaisquer que sejam os argumentos, fica difícil aceitar-se que a adoção de multa financeira por atraso na devolução, à biblioteca, do material emprestado por um usuário, é a melhor forma de educá-lo. Primeiro, peca-se pela adoção de um instrumento punitivo. Segundo, e em geral, adota-se o instrumento de um modo desigual, e na tentativa inadequada de “defender” todos os usuários de dado sistema bibliotecário, favorece-se aos que buscam os materiais mais caros e cometem atraso.
Evidentemente, num sistema em que a tal multa é cobrada para todos os prestatários, com um mesmo valor e sob o mesmo critério, por dia de atraso, por exemplo, os usuários da coleção em um assunto, cujo preço médio unitário do documento é “n”, pagarão um valor (relativo) de multa muito maior do que o valor pago pelos usuários da coleção em um assunto cujo preço médio unitário do documento é equivalente a “2n” ou a “3n”. E isso não é uma especulação teórica, mas a mais crua e injusta prática que ocorre na maioria, ou na quase totalidade das bibliotecas brasileiras.
Tome-se como exemplo a maior parte das bibliotecas universitárias do país, de IES públicas ou privadas. Em vez de criarem outros instrumentos que assegurem a devolução do material segundo o contrato (ou prazo) estabelecido em sua retirada, preferem o caminho “fácil”, mas injusto, da multa financeira. Nessas, em quase todas, esse valor diário está em torno de R$ 1,00.
Transformando-se isso em uma situação concreta, teremos na situação 1 um estudante do Curso de Pedagogia ou outros das áreas Humanas e Sociais, cujo valor médio do livro gira em torno de R$ 40,00 e na situação 2 um estudante do Curso de Medicina, cujo valor médio do livro gira em torno de R$ 200,00; se ambos pagam o mesmo valor, como punição pela devolução do livro com atraso, o estudante da situação 1 pagará uma multa financeira 5 (cinco) vezes maior que o estudante da situação 2, em uma mesma biblioteca, isto porque “um real” é igual a 2,5% do preço do livro na área de formação do estudante da situação 1, que é de R$ 40,00, mas esse mesmo “um real” é igual a 0,5% do preço do livro do estudante situação 2, que é R$ 200,00. A questão que deve ser colocada ao bibliotecário que implementa esta decisão é se isto é justo? Como é evidente que não é justo, já que ambos são estudantes universitários em uma mesma comunidade e, como cidadãos, deveriam receber tratamento igualitário, então a decisão não foi honesta, e se não foi honesta, também não será eticamente defensável e então esse bibliotecário não estará agindo eticamente.
Se o estudar, o pensar e o praticar a ética na profissão bibliotecária não conseguir resolver dilemas desse tipo, que se inserem na relação biblioteca e usuário da informação, então para que servirá se falar da relevância de discutir as questões éticas durante a formação do bibliotecário?
Se a multa financeira pelo atraso na devolução do livro, no Brasil, lavra esse tipo de injustiça, e se a injustiça vige como um mal, então, a despeito de toda a possível discussão ética que se faça, ainda não foi possível superar, na maioria das bibliotecas do país, essa impostura do mal.
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