15/09/2011

É a biblioteca escolar o “xis” da questão?

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Julho/2010]

Para escrever o texto de minha última coluna, publicada neste Infohome no início de junho, detive-me um pouco a verificar a reação de educadores, blogueiros e jornalistas à sanção e publicação da Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010. Essa lei “dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País”. O que vi e li chamaram-me a atenção pelo profundo desconhecimento que as falas manifestavam acerca da presença do bibliotecário. O que provoca esse desconhecimento é, seguramente, algo que interessa aos bibliotecários, pois não existem efeitos, nem sentimentos ou sensações surgidas ao acaso. De outro lado, inquietavam-me os festejos que os bibliotecários em várias listas de discussão faziam em torno dos benefícios da tal lei, sobretudo pela esperança da geração de dezenas de milhares de novos postos de trabalho ou empregos para a categoria.

Depois da publicação da coluna de junho, recebi algumas manifestações e formei a percepção de que há bibliotecários neste país que vêem outros vieses provocados pela existência daquela lei. Isso me trouxe novas dúvidas e passei a questionar sobre qual ou quais fatores poderiam estar por trás da distância revelada pelos discursos de uns (educadores, blogueiros e jornalistas) e de outros (bibliotecários).

A fim de tentar entender onde poderia estar o “xis” da questão fui examinar com mais atenção o PROJETO MOBILIZADOR: BIBLIOTECA ESCOLAR CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE INFORMAÇÃO PARA O ENSINO PÚBLICO, lançado pelo Sistema CFB em Brasília, no ano de 2008. Não sei se alcancei o melhor entendimento, mas faço alguns comentários com base no melhor entendimento que a minha leitura pode me fornecer.

De início, vi que se trata de um texto calcado em uma visão intervencionista, sustentado em grande egocentrismo exposto tanto nos objetivos, quanto na atribuição a priori dos papéis a serem cumpridos pelos possíveis parceiros. Porém, mais do que isso, entendo que o teor do documento considera a rede escolar e todos os seus membros, professores, alunos e pais como detalhe, que nem sequer merece ser mencionado.

Ora, quem conhece o mínimo do campo de conhecimento denominado Estudos Curriculares ou, ainda, a Sociologia Educacional; quem ouviu falar e conhece os esforços teórico e práticos da Teoria Crítica da Educação, sabe que os parceiros primeiros de quaisquer mudanças na Escola e, portanto, no ensino, visando à sua qualificação, são os professores, os estudantes e seu pais, geralmente definido como comunidade escolar. Sabe que as melhores intenções de política educacional tendem a naufragar quando os formuladores de tais políticas desconhecem que a escola, como qualquer outra instituição social, existe pelo compromisso das pessoas que lá estão e o sentido que dão a esse compromisso e a assimilação a esse compromisso das idéias e proposições de origem externa.

No discurso do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, a comunidade escolar viva não está presente, nem ao menos é mencionada. Além dessa comunidade, existem as entidades que a apóia e que, em geral, se distanciam dos Governos. E, a bem da própria sociedade, essas entidades sempre devem estar longe dos governos para que possam criticá-lo e assim possam obter respostas mais satisfatórias aos anseios do povo que representam. Entre elas, estão as entidades do movimento social, os sindicatos, a imprensa livre. O que me parece é que tanto a comunidade escolar como as entidades que as apóia não estão no campo das preocupações dos redatores e defensores do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB.

Evidentemente, estou tomando o Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, como a diretriz que orienta a “conquista” da Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, especialmente, porque ela responderia a alguns aspectos dos objetivos lá expostos. Por exemplo, nas Estratégias para Execução, se afirma:

“6. Levantar a legislação, em trâmite, para aprovação, que contribua para promover a implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro bem como propor a criação de novas leis que se façam necessárias.
Responsabilidade: Sistema CFB/CRB e parceiros

“a) Conselho Federal de Biblioteconomia – identificar os projetos de lei que estejam tramitando na Câmara Federal e no Senado Federal e seu propositor, contatá-lo com intuito de obter seu apoio para o projeto, seja através da qualificação da proposta, se for o caso, seja da proposição de algo novo, que constitua interesse para implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro;

“b) Conselhos Regionais de Biblioteconomia – identificar os projetos de lei que estejam tramitando nas Câmaras Municipais (minimamente da capital) e nas Assembléias Legislativas e seu propositor, contatá-lo com intuito de obter seu apoio para o projeto seja através da qualificação a proposta, se for o caso, seja da proposição de algo novo, que constitua interesse para implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro;

“c) Parceiros – apoiar as articulações necessárias para a obtenção das adesões buscadas.” (Fonte: http://www.cfb.org.br/UserFiles/File/promobil/PROMOBILFINAL.pdf. Acesso: 30/06/2010)



Então, após esse ponto, continuei a examinar o documento em busca de identificar os parceiros do Sistema CFB, no Projeto Mobilizador. Quem são os parceiros e como o Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, define as estratégias de aproximação e negociação dos termos de parceria? Novamente, encontro determinações para esses parceiros, não claramente como possibilidades, como uma construção de caminhos para a conquista de uma real mobilização, mas como funcionalidades, que destaquei em negrito. Exemplo:

“7 POSSÍVEIS PARCEIROS E PAPÉIS

a) Associação Brasileira de Ensino em Ciência da Informação (ABECIN) e Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) – Coordenar o diagnóstico nacional sobre a situação das bibliotecas escolares; trabalhar a possibilidade de articular uma proposta de formação em nível de pós-graduação lato sensu para formação de bibliotecários escolares;

b) Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) – Articulação política para afiançar a discussão nacional e avaliar, junto a eles a possibilidade de apoiar financeiramente o diagnóstico;

c) Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (FEBAB) – Empreender esforços para, politicamente, articular nos estados as ações que serão fundamentais para assegurar o acolhimento do projeto;

d) Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Cultura (MinC) – Buscar, desenvolvido por estes órgãos, apoio para o projeto mobilizador, incluindo neste contexto o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP);

e) Câmara de Educação do Senado e Câmara Federal – Trabalhar no sentido de construir projetos que favoreçam a criação de leis que amparem o objeto e o objetivo do projeto mobilizador;

f) Deputados federais Lobbe Neto (PSDB/SP) e Vanessa Graziottin (PCdoB AM) – Apoiar os Projetos de Lei n.1831/2003 e n.3230/2004.

g) Fundação Roberto Marinho, Fundação ABRINQ, Fundação Airton Senna – Divulgar e solicitar auxílio na captação de recursos que permitam realizar o diagnóstico.”
(Fonte: http://www.cfb.org.br/UserFiles/File/promobil/PROMOBILFINAL.pdf. Acesso: 30/06/2010)


É sintomático, parece-me, que não se encontrem entre esses parceiros os Sindicatos de Trabalhadores em Educação, que existem às centenas no Brasil; as Associações de Docentes; as instituições formadoras de professores licenciados nos vários campos disciplinares da educação, etc. Repete-se a busca pelos gabinetes. Reitera-se uma atitude de distanciamento do usuário, como se a ética do bibliotecário brasileiro, a partir do órgão de fiscalização profissional, não levasse em conta quem usa a informação, mas quem “manda” usar, se é que existe essa figura. Novamente, estaria representada uma espécie de bibliotecário que foge dos usuários?

A aplicação de uma estratégia de análise de discurso sobre o texto do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, vai exibir a presença de uma Representação Social dos usuários do sistema escolar, como assujeitados ao pensar [e fazer?] bibliotecário. E esta pode ser uma origem substantiva da distância que os discursos de educadores, blogueiros e jornalistas têm dos discursos dos bibliotecários, no que diz respeito à Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010.

De mais a mais, deve-se ter em conta que a comunidade escolar brasileira, sempre formou um círculo de resistência aos desmandos estatais. Foi nessa comunidade, ou a partir dela, que diuturnamente se fez a busca pela superação das ditaduras que este país já enfrentou. Paulo Freire, por exemplo, que foi um grande mobilizador, leitor, estimulador da leitura e gestor de educação, certamente, não assinaria, nos termos em que foi construído, esse Projeto Mobilizador, do Sistema CFB.

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