23/09/2011

Modernização e Biblioteconomia nova no Brasil





Núcleo de Publicações do CED - UFSC - 2003 - 222 p.

Sobre o livro: Prefácio por FRANCISCO COCK FONTANELLA (Universidade Metodista de Piracicaba) também publicado em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2003v8n16p71/5249


SOUZA, Francisco das Chagas de. Modernização e biblioteconomia nova no Brasil. Florianópolis: NUP/CED/UFSC, 2003. 222 p. (Teses NUP, 9).


Em primeiro lugar quero agradecer ao Autor a honra que me concede de prefaciar sua obra. Peço desculpas, ao mesmo tempo, por seqüestrar parte do seu espaço para expor idéias e diatribes, pelas quais sou o único responsável. O que penso sobre vários temas não coincide com as idéias do autor. As divergências, porém, são de pequena monta. Além do mais, não vejo propósito em antecipar as idéias do autor; senão, bastaria ler o prefácio. E não é isso que se espera do leitor. Se o texto primeiro da Tese de Doutorado, que ora se torna livro e obra de fôlego direcionada a um público mais vasto, pôde receber, durante a defesa, os epitetos de "desabafo" e de "ressentimento" -- a meu juízo, inteiramente injustos --, que não dizer das diatribes que, vez por outra, explodem no meu discurso? Se houvéssemos de admitir que as ciências humanas devem movimentar-se fora do âmbito dos valores -- questão discutível ainda hoje --, então para que serve saber cientificamente que nossa escola é ineficiente, e para que serve desvendar cientificamente o processo dessa ineficiência e, muito mais, os processos que mantêm levas e levas de pessoas (chamamos de pessoas) no analfabetismo? Para que desvendar os processos que mantém multidões enormes de pessoas à margem do mercado (triste, implacável mercado) de trabalho e, portanto, dos seus benefícios (?) (esqueçamos por ora a famosa extração da mais valia -- a grande massa dos trabalhadores nem sequer sabe o que é isso --, nunca refutada), espoliadas de sua dignidade de pessoas, a qual nós, intelectuais, reivindicamos tão ciosamente para nós mesmos? A menos que defendamos uma ciência humana neutra, isto é, a serviço da dominação. Já sei: O MERCADO! Esse Leviatã moderno não dá a mínima para nós, como não dá a mínima para os pobres, para os famintos, para os miseráveis (temos que ter presente que o MERCADO não é uma entidade; ele é a arena de lutas entre pessoas e grupos de pessoas, mesmo que ele tenha uma "mão invisível"...). A dominação de classe -- conceito corroído pela literatura dos ideólogos dos dominantes -- é mais que um conceito: é uma realidade, que chega a ser cruel. Tanto que nunca dispensou a gendarmeria de todo tipo para fazer valer a sua razão. Assim o foi, assim será . A classe social não é uma entidade, nem é apenas uma denominação. Há pessoas, melhor, grupos de pessoas concretas, que, ao executar a atividade econômica, dirigem o curso das coisas em seu próprio benefício, não importando o que isso acarrete aos demais. Aí temos a dominação de classe. Dentro desse confronto -- o mercado não é pacífico -- a História das democracias ocidentais se fez sobre dois processos básicos: o exercício da força e o sufocamento ideológico. A força amortece ou neutraliza os rebeldes, os discursos perigosos, o direito de se reunir e de falar. Depois que os inimigos estão mortos, ou calados, ou amedrontados, a propaganda ideológica faz o seu papel. E é tão eficiente, talvez porque pega o operariado exatamente na satisfação, não já das suas necessidades, mas no atendimento aos impulsos e desejos, através do mercado. Os excluídos que se cuidem: a força não tardará, se quiserem se manifestar. O mercado é aliciante, é sedutor. A comunicação está praticamente toda nas mãos da(s) classe(s) dominante(s), mesmo a comunicação oficial. Onde está a voz dos operários? Onde, a dos analfabetos? Onde, a dos famintos? Onde, a dos desempregados? etc. A arena da dominação se situa no mercado. E os que estão fora dele? Problema? Ou não há nenhum problema nesta situação? Há quem defenda que, a partir da busca incondicionada (pode-se entender imoderada -- sem modo ou medida) do próprio bem-estar, possa-se chegar à realização do bem-estar da sociedade como um todo. Esta tese é cara a todos os defensores incondicionais do MERCADO. É reforçada com um argumento pragmático: na prática, o mercado realiza melhor e mais eficientemente a felicidade das pessoas (talvez eu deva dizer indivíduos, pois este termo não envolve compromissos...). Mas, até agora ele -- mercado -- fez o contrário em termos mundiais. Esta não é a tese do cooperativismo. Este tende a promover uma luta econômica menos desfavorável de certos grupos de pessoas frente ao grande anônimo MERCADO, melhor, frente aos grandes do mercado. Na Idade Média os profissionais de uma categoria se reuniam em Corporações para a defesa de seus interesses. Ainda hoje falamos de corporativismo", quando categorias de pessoas, em grupo, buscam a defesa incondicional de seus direitos e interesses, sem a devida e comedida atenção às possibilidades reais do contexto. Deste modo o termo corporativismo tem uma conotação francamente negativa. A sua contrapartida moderna seria o sindicalismo.
A obra, que ora vem a lume, mostra como na prática os Bibliotecários do nosso país desenvolveram uma luta constante em defesa dos seus interesses -- luta, aliás, bem sucedida --, caracterizando-se, entretanto, essa luta sobretudo por interesses corporativistas que, na realidade, redundaram em benefícios para os bibliotecários e malefícios para os usuários das bibliotecas. Essas lutas de caráter corporativista impediram que os bibliotecários ultrapassassem o nível do "guarda-livros". Está longe, porém, de ser este o maior mérito e interesse da presente obra. Ressalto alguns outros. Um deles se refere à criação de um modelo de Biblioteconomia gestado dentro da Biblioteca Nacional; não só dentro da Biblioteca Nacional, mas a partir da sua prática cotidiana interna. Esse modelo foi repentinamente substituído por um outro modelo importado. Tal modelo importado fora ele resultante de uma prática diuturna com a população no seu país de origem. Lá ele vigia apropriada e legitimamente, perfeitamente adaptado, como fruto de uma prática. Transplantado para outro país, de estrutura, cultura, povo, circunstâncias e necessidades distintas, o modelo foi "ipso facto" degradado. E a degradação se agravou na medida em que o tempo passou e o contexto mudou. As coisas mudaram, mas o modelo ficou... Um outro tópico que gostaria de ressaltar é a maestria do Autor, ao mostrar como esse movimento de implantação de um modelo só obtém inteligibilidade satisfatória na medida em que é visto de maneira abrangente no movimento interno do país e de suas interrelações com o movimento mais amplo do capitalismo mundial. Os diversos aspectos: social, político e econômico se distinguem, mas não se dissociam: a trama histórico-social é desvelada. Se a linguagem dialética do Autor é moderada, isto nada tem a ver (s.m.j.) com ecletismo, antes trata-se de um discurso coerente. Poderia ressaltar, ainda, a falácia da "modernização", apontada pelo Autor no discurso liberal brasileiro à época da implantação do modelo importado. Este, trazido no contexto da palavra de ordem "modernização", permaneceu até hoje... O discurso liberal da modernização em nosso país tem sido uma falácia continuada. No que se refere aos interesses imediatos do Capital tem pronta aceitação e eficácia. Nunca, porém, se chega sequer a falar em salários modernos. Podemos chegar à automação, à informatização, à engenharia genética, à energia nuclear , etc., mas não podemos falar em, quanto menos pagar, salários atuais, modernos. Temos os mais sofisticados serviços bancários, até via satélite; temos a maior lucratividade bancária do planeta; mas, gostaria que se cotejassem os salários dos bancários brasileiros com os dos bancários dos países "modernos". O mesmo e mais se diga
dos demais salários. Os jornais já publicaram: temos os preços das mercadorias como os do primeiro mundo, enquanto temos os salários do terceiro ou quarto mundo. Modernização não passa pela educação, pela saúde, pela alimentação, pela habitação, pela urbanização, pelas bibliotecas.... Modernização não é uma palavra mágica, mas tem que ser um processo, uma prática diuturna e teimosa, constante. A obra, que ora chega a público, mostra mais um exemplo concreto da falácia do discurso da modernização. Até as leis se atualizam, mas nenhuma lei por si mesma é capaz de mudar a realidade. Veja-se a Constituição de 88; veja-se também o ESTATUTO DO MENOR, publicado com tanto estardalhaço, e leiam-se a seguir as cronicas policiais no que tange à sorte dos nossos menores. Com a modernização da Biblioteconomia aconteceu o mesmo: a prática bibliotecária esclerosou, apesar do belo discurso. Talvez não seja isso novidade num país que tem fibra ótica, telefone celular, micros a tiracolo, cirurgias cardíacas em bebês, cheio de recursos alimentícios, exportador de carnes e muito alimentos, com satélites olhando para uma massa enorme e vergonhosa de analfabetos, de famintos, de menores abandonados, massacrados, e um punhado de ricaços e um monte de políticos fazendo belos discursos...

E a escola?

Precisamos de estudos sérios? Eis um aqui, leitor.

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