10/09/2011

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – parte 2: força à mecanização e ao separatismo!

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Dezembro/2009]

Dando sequência à discussão iniciada na coluna de novembro de 2009, continuarei a examinar algumas facetas da conduta coletiva do bibliotecário atuante no Brasil, quanto às recomendações que esses bibliotecários vêm produzindo nos últimos 55 anos, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação. Pelas características dessas recomendações, que esboçam o sentido de resoluções, tais manifestos expressariam idéias em torno de uma política profissional e, por isso, requereriam coerência em sua aplicação, defesa de sua revisão continua e atualização de princípios e de práticas ao longo do tempo.

Ainda com relação ao enlace Biblioteconomia e Documentação, tomado como a verdadeira estratégia de formação do bibliotecário de um lado ou, de outro, como decisão de confrontação com os “tolos” europeus e norteamericanos da IFLA e da FID, o que se viu foi no longo prazo a criação de condições para o “escanteio” da biblioteca pública e da biblioteca escolar. Quarenta e oito anos depois daquele heróico terceiro CBBD, ao chegar ao futuro, no século XXI, o Brasil não dispõe nem de redes de bibliotecas públicas adequadas às suas necessidades econômicas presentes, nem de redes escolares em que os professores da educação básica, por não terem tido acesso a bibliotecas escolares em sua fase estudantil e nem bibliotecas públicas em seus bairros, e precárias bibliotecas universitárias, têm dificuldade de reivindicar a presença e a dinamização de bibliotecas nas escolas em que atuam. Isso, além do efeito da ausência institucional, tem como reforço o modelo de seus próprios professores expositores e fará com que seus pupilos de hoje continuem, inconscientemente, a manter um futuro ainda obscurecido durante algumas das próximas décadas.

Após o terceiro CBBD, de 1961, realizado em Curitiba, talvez tenha sido no quinto Congresso, realizado em São Paulo, em 1965, onde mais os bibliotecários tomaram decisões sobre a sua formação e sobre a sua prática profissional. Particularmente, foi uma oportunidade em que se acentuou a comunhão “Biblioteconomia e Documentação”. Também foi a ocasião em que a Biblioteca Nacional, as Bibliotecas Públicas e as Bibliotecas Escolares como categorias institucionais foram enfeixadas sob o rótulo de apagamento “Bibliotecas Gerais”. Nesse CBBD aparecem, nomeadamente, deliberações sobre “Informação Científica”, “Reprografia” e “Instrumentos Audiovisuais”.

Evidentemente, o contexto paulista, do qual se dizia representar, na economia, “a locomotiva” do Brasil, teve um peso significativo nessas decisões, reforçando duas atitudes que perseguem predominantemente os bibliotecários brasileiros, como categoria profissional: a) o desejo de ser moderno e assim padronizado e bitolado e b) a ausência de visão política de longo prazo.

Com base na primeira atitude são importados, mais que rapidamente, não sem equivoco, instrumentos e/ou processos de trabalho que deram certo em contextos sócio-econômicos mais adiantados. Essa seria a prova de estar em dia com o que de melhor há no mundo; mesmo que este seja culturalmente outro mundo. Com base na segunda atitude as decisões concentram-se no imediato do retorno material do capital e do trabalho. Os melhores salários estariam nos setores que, pelo seu porte e dinâmica econômica, utilizam mais informação aplicada à produção mensurável em moeda que conteúdos para leitura e formação no longo prazo de pessoas. Essa seria a prova do estar “antenado” com o mercado. As duas atitudes cegam a percepção de que ser moderno é formar as bases para o futuro e, pela concepção de sociedade cidadã, não fechar os caminhos para o futuro. Assimilar novos conhecimentos, acelerar a inserção da modernização não é problema só e quando, simultaneamente, não se fecha as portas para a educação fundamental.

De modo similar ao que apresentei em novembro, farei algumas transcrições das deliberações tiradas ao final do quinto CBBD nos dois aspectos que venho destacando: sobre a formação profissional e sobre a prática profissional. Das dez recomendações reunidas sob o título Formação Profissional, em que todas se referem a diferentes aspectos que pertencem às “Escolas de Biblioteconomia e Documentação”, cabe ressaltar a de número oito por contradizer à verdade dada então, de um lado e, de outro, por que aqueles bibliotecários não poderiam aceitar o escorrego de quem quer que fosse para fora do padrão e da bitola: “Dirigir à Universidade de São Paulo um protesto pela separação do ensino de Biblioteconomia e Documentação na estruturação da Escola de Comunicações Culturais, em desobediência à Lei 4.084, Decreto 56.725 e Parecer 326 do Conselho Federal de Educação”.

Com relação ao aspecto Prática Profissional vê-se, no que pertence às trinta recomendações reunidas sob o título “Processos Técnicos”, a presença do termo mecanizado, mecanização, planificação e coordenação na maior parte deles, relacionadas à ambientes em que havia o predomínio da informação de uso especializado.

Mas essa atitude de bitolamento ou de inaceitação do diverso não teve caráter isolado, não se expressou apenas pelo protesto contra a existência, então, de dois Cursos na USP-ECA: um de Biblioteconomia e outro de Documentação. Ela se ampliou, dando início a um discurso separatista em 1971, que foi se estendendo cada vez mais e hoje se manifesta pela existência de diversas entidades, aparentemente carentes da construção de instrumentos de aproximação. Para ter esse efeito duradouro e não vitimizar apenas uma sociedade que poderia ter nos bibliotecários defensores verdadeiros do direito à leitura, a decisão desses profissionais foi de excluir dos CBBDs os assuntos referentes ao ensino e à formação profissional, assim como aqueles de interesse dos estudantes.

Sobre isso, falarei proximamente!

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