10/09/2011

A desigualdade salarial no Sistema CFB ou Do pensamento que propõe coisas injustas!

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Maio/2010]

Cada vez mais tento dizer para mim mesmo que por mais inacreditáveis que sejam as distâncias, continuamente reveladas entre discurso e prática, isso se dá como conseqüência da própria construção da realidade. A construção da realidade, dizem Berger e Luckmann (1), tem relação com o processo permanente de interação simbólica. Essa interação nos envolve como entes de comunicação, em busca permanente de atribuição de sentido às coisas da nossa existência. E a nossa existência é nada mais nada menos que a complexidade fenomênica que chega à nossa mente a partir de nossos sentidos.

O que pode sentir o bibliotecário de todos os rincões do Brasil, obrigado a pagar uma anuidade ao seu Conselho Regional, que é estipulada pelo Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), com o mesmo valor para todo o país (2); o que pode sentir esse bibliotecário que vê lançado um concurso coordenado por esse Conselho em que a taxa de inscrição é a mesma em todas as regiões em que o concurso será realizado; e o que pode sentir esse bibliotecário ao ver que, segundo o Edital do referido concurso, para jornada similar de trabalho, isto é, de 40 horas semanais, o salário inicial é muito distinto? Se esse bibliotecário reside ou pretende residir em estados da região sul (Rio Grande do Sul e Paraná) ou em Brasília, certamente, terá algum sentimento de maior valorização; mas se esse bibliotecário reside ou pretende residir em estados da região norte (Amazonas) e nordeste (Bahia, Paraíba) ou mesmo sudeste (Rio de Janeiro) sentir-se-á provavelmente como menos valorizado.

A que vem esse comentário? Desde que vi o texto do edital (3) e todos os elementos informativos contidos no mesmo, passei a me perguntar se não houve equivoco, engano. Até agora não entendi com base em que foram determinados os valores atribuídos no texto daquele edital como salário inicial. Num pensamento positivo, imaginei que os membros do Conselho de Biblioteconomia, como Sistema, haviam imaginado um fator de equilíbrio que poderia ser a paridade entre o ganho oferecido e o valor de consumo de cada uma das cidades onde ocorrerá o concurso e admissão dos profissionais, evidentemente, considerando um indicador da relevância do custo da cesta básica. Então busquei verificar o custo dessa cesta nas respectivas cidades e compus uma tabela que pode ser visualizada em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=521

Construída a tabela, passei a analisá-la e, para minha surpresa também não era justificável o valor de salário inicial oferecido por esse indicador, o mais importante, pois significa de um dado valor de salário qual o percentual, em azul na tabela, que o trabalhador empenha ao final de um mês.

O que vi, até o momento, que espero seja apenas um engano, é que para o CFB, titular da abertura do concurso, está subentendido que há bibliotecários de primeira classe, pois ganharão salários mais generosos e bibliotecários de segunda classe, para os quais o próprio Conselho, no papel de empregador, está se propondo a pagar salários menores.

Ocorre, e isso é importante destacar, que o CFB e seus regionais são o guardião da ética profissional do bibliotecário brasileiro; responsáveis e aplicadores dos dispositivos do Código de Ética. É cláusula pétrea do Código de Ética a dignificação profissional do bibliotecário. Entendo dignificação como um conceito que contém dentre outras coisas a noção de igualdade de tratamento dos bibliotecários; disposição de defesa de boas condições para atuação do profissional e salários dignos, a fim de que façam bem feito o seu papel social. Será que qualquer outro empregador, vendo que o próprio Conselho de Biblioteconomia trata os bibliotecários brasileiros a ele filiados como de classes distintas, pela região em que atuam, ainda que ocupem as mesmas funções com as mesmas jornadas profissionais, tratará os bibliotecários a que contratar com outra atitude? Será que a primeira alegação não seria: mas se o Sistema CFB adota política discriminatória para os bibliotecários seus empregados, por que não posso eu fazer do mesmo jeito?

Como é que se pode explicar que um bibliotecário, funcionário do Conselho, receba um salário em Salvador - BA, do qual precisará tirar mensalmente mais de 17% para pagar a cesta básica e um seu colega, funcionário do mesmo patrão, isto é, o Sistema CFB, por residir em Curitiba – PR, despenderá para esses encargos exatamente 10,5% ou 11,3, se mora em Porto Alegre?

Acrescente-se a isso que o salário oferecido, somente para aquelas vagas previstas para Curitiba e Porto Alegre, tem valor só um pouquinho mais alto que o postulado pelo DIEESE (4) para o salário mínimo em março de 2010 do trabalhador brasileiro?

Então é de se perguntar se o discurso da dignificação profissional do bibliotecário brasileiro, cujo primeiro fator é o salário justo, não precisaria ser melhor discutido e, uma vez feito isso, posto em prática no âmbito do próprio Sistema CFB.

Por acreditar que o conteúdo do edital, no que toca aos valores salariais iniciais apontados, foi apenas um equivoco, imagino que as diretorias do CFB e dos CRBs implicados nesse edital, com a sensibilidade social de que dispõem, cuidarão em aperfeiçoar a realidade do bibliotecário brasileiro, uma vez que o Sistema CFB, como guardião da ética profissional, não pode sustentar como definitivamente dado eventuais equívocos que tenha cometido.

Notas

(1) BERGER, P. I.; LUCKMANN, Th. A construção social da realidade; tratado de Sociologia do conhecimento. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

(2) Brasília/DF, 09 de outubro de 2009. RESOLUÇÃO CFB N. 107/2009. Publicado no Diário Oficial da União – Seção 1, pág. 173, em 13/10/2009. Dispõe sobre a fixação de valores de anuidades e taxas devidas aos Conselhos Regionais de Biblioteconomia para o exercício de 2010 e dá outras providências. Art.1º - [Fixa] o valor das anuidades e taxas devidas aos Conselhos Regionais de Biblioteconomia, pelos profissionais e pessoas jurídicas, para o exercício de 2010, da seguinte forma: a) Profissional: R$ 285,00.

(3) EDITAL nº 01/2010 DO CONCURSO PÚBLICO 01/2010 – CFB, DE 01 DE MARÇO DE 2010 – ABERTURA - Nêmora Arlindo Rodrigues, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia – CFB, no uso de suas atribuições legais, mediante as condições estipuladas neste Edital, em conformidade com a Constituição Federal e demais disposições atinentes à matéria, TORNA PÚBLICA a realização do CONCURSO PÚBLICO, sob regime da Consolidação das Leis Trabalhistas, para provimento de vagas do Quadro de Pessoal dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia – CRB1 / CRB5 / CRB7 / CRB9 / CRB10 / CRB11 / CRB15. Inscrição via Internet - Período: das 10h de 01/03/2010 às 12h de 15/04/2010, considerando-se o horário de Brasília.

(4) O salário mínimo do trabalhador do País deveria ter sido de R$ 2.159,65 em março para que ele suprisse as necessidades básicas e da família, de acordo com estudo do Dieese). Com base no maior valor apurado para a cesta no período, de R$ 257,07, em Porto Alegre, e levando em consideração o preceito constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para garantir as despesas familiares com alimentação, moradia, saúde, transportes, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência, o Dieese calculou que o mínimo deveria ter sido 4,23 vezes maior que o piso vigente, de R$ 510.
O Dieese também informou que o tempo médio de trabalho necessário para que o brasileiro que ganha salário mínimo pudesse adquirir, em março de 2010, o conjunto de bens essenciais aumentou, na comparação com o mês anterior. O trabalhador que ganha salário mínimo necessitou cumprir uma jornada de 94 horas e 38 minutos para realizar a mesma compra em março. Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/Economia+Brasil,cesta-basica-sobe-em-todas-as-17-capitais-pesquisadas-em-marco-aponta-dieese,not_12620.htm

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