10/09/2011

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – Parte 4: A exclusão - hoje - de bibliotecários por bibliotecários

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Abril/2010]

Tenho trazido mensalmente a esta coluna algumas reflexões em torno da conduta dos bibliotecários brasileiros, quando lidam com a construção de uma imagem e de um futuro. Uma expectativa que sempre tenho é a de que o futuro pode ser melhor, na medida em que possamos apreciar o que vimos fazendo, desde quando teve início a série de eventos designada pela sigla CBBD.

Na coluna de março, fiz referência à exclusão no CBBD das temáticas educacionais e estudantis, especialmente a partir do VI CBBD, realizado em 1971. Evidentemente, a exclusão daquelas temáticas das pautas do CBBD afastou parte dos docentes e estudantes de Biblioteconomia desse evento, o qual ainda considero o maior fórum de discussão das temáticas bibliotecárias no Brasil. Aliás, defendo que ele seja recuperado como o fórum para o qual convergiriam todas as discussões sobre os problemas e sobre os caminhos novos a serem criados pelos bibliotecários como próprios de sua missão.

Entretanto, a expansão ou complexificação das atividades biblioteconômicas no país levou a uma situação especial: o esgarçamento do papel coordenador da FEBAB e uma grande dificuldade dos bibliotecários de se enxergarem como constituintes de um coletivo.

Parte desse movimento de despedaçamento da categoria bibliotecária fica evidente na proliferação de eventos, cujas pautas ou deliberações não estão articuladas a um projeto político profissional mais amplo. Aliás, não existe esse projeto mais amplo na categoria bibliotecária brasileira.

Uma das conseqüências de tudo isso, é que hoje são excluídos profissionais bibliotecários de eventos realizados em setores que constituem ramos biblioteconômicos específicos. E eles são excluídos pelo pior critério que uma categoria profissional pode adotar para selecionar os pares: o critério econômico. Isso representa rasgar, pisotear, desrespeitar o seu Código de Ética Profissional. Isso significa adotar o pior e mais indesejado recurso de opressão no interior de uma categoria profissional. Nessa situação desrespeita-se o princípio de solidariedade profissional, pois expõe uma valoração declaratória e distintiva, no sentido de que há ricos e pobres. E que aos pobres não se facilitará senão a contração de dívidas financeiras.

Em relação a onde isso está acontecendo basta que olhemos o site referente à XVI edição do Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias (SNBU). Este evento que acontecerá de 17 a 22 de outubro de 2010 está sendo organizado por iniciativa do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) da UFRJ e tem preços de inscrições individuais para os participantes acima das condições econômicas da maior parcela dos bibliotecários que atuam em bibliotecas universitárias ou do ensino superior. Os valores das taxas individuais cobrados de estudantes chega a R$ 350,00 e de profissionais chega a R$ 700,00. Se for olhada com atenção a tabela de inscrição (http://www.snbu2010.com.br/inscricoes.asp) podem-se deduzir outras coisas como, por exemplo, a mercadorização da educação continuada. Dito de outra forma, o lugar para a participação neste evento é um produto que pode ser adquirido e pago no cartão em até seis vezes, situação que não o distingue de qualquer outra mercadoria disponível em qualquer supermercado.

Mas vejamos o que é, de fato, o setor de educação superior brasileiro! De acordo com a Sinopse da Educação Superior de 2006, produzida pelo INEP/MEC, havia 2.270 Instituições de Educação Superior (IES) no País no final desse ano; dessas, apenas 178 eram universidades. As demais, categorizadas de acordo com a legislação existente, constituem 119 Centros de Ensino Superior; 115 Faculdades Integradas; 1.649 Faculdades, Escolas e Institutos e 208 Centros e Faculdades de Ensino Tecnológico. Do total de 2.270, 248 são IES públicas, 439 são IES Comunitárias, confessionais e Filantrópicas e 1.583 são particulares.

De acordo com os números, mais de 70% dessas IES são unidades constituídas por um ou dois cursos, pois é essa a característica das Faculdades, Escolas e Institutos; depois, aproximadamente 70% de todos esses estabelecimentos são particulares, isto é, pertencem a empresas privadas, voltadas ao lucro. Nesse contexto, quando há o profissional bibliotecário, esse não passa de um; não há uma equipe composta por mais bibliotecários. De outro lado, um grande número desses bibliotecários não percebe remuneração maior que R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) e há quem ganhe menos que isso. Também nas universidades, mesmo nas federais, os concursados recentes estão ingressando com menos de R$ 2.000,00. Considerando que se trata de Seminário de Bibliotecas Universitárias, ao cobrar as inscrições nos valores anunciados, a sua equipe organizadora já impossibilita, de início, a participação de muitos desses profissionais, que têm carência de reciclagem.

Em janeiro deste ano de 2010 fui convidado a fazer parte da Comissão Científica desse evento, o que prontamente aceitei. Não estava completamente informado sobre os valores estabelecidos para as taxas de inscrição. Por ter aceito o convite, meu nome foi exposto na listagem de membros da referida Comissão. Dias mais tarde, recebi uma correspondência de uma egressa do Curso de Biblioteconomia da UFSC que trabalha na cidade do Rio de Janeiro. Ela me pedia que, se pudesse, tentasse obter uma redução de preço que facilitasse sua inscrição num valor mais favorável, pois trabalha na Biblioteca de uma Universidade particular. Imediatamente, fui verificar quais eram, de fato, os valores das taxas de inscrição. Surpreendi-me com o exagero. Enviei a correspondência, sem a identificação da remetente, para a presidente da Comissão Científica, pedindo-lhe que fizesse chegar à Coordenação Geral. Simultaneamente, como um ato político e moral, pedi o desligamento da referida Comissão.

Esse pedido de desligamento, que foi prontamente aceito, é a forma que encontrei para distanciar-me desta postura mercantilista, aética, em que a solidariedade profissional não se manifesta e, mais que isso, tomei tal atitude por entender que o princípio da DIGNIDADE PROFISSIONAL, repetidamente presente no Código de Ética do Bibliotecário brasileiro, não foi levado em conta.

Por fim, se bibliotecários hoje excluem de seus eventos outros bibliotecários, isso teve início quando há quatro décadas, no CBBD, foram excluídos estudantes e docentes.

Compactuar com tamanha insensibilidade ética, aceitar a precedência do econômico sobre a solidariedade e a indignificação da profissão não é possível.

Os bibliotecários brasileiros, envolvidos com a organização do SNBU de 2010, precisam rever os valores humanos que seu Código de Ética apregoa. Ou será que, embora não o afirmando com palavras, já transformaram esse Código em Cinzas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Inclua seu comentário ou faça um post!