11/10/2012

O que a nós, bibliotecários do MERCOSUL, não importa não saber! [Outubro/2012]


De 03 a 05 de outubro de 2012 ocorreu em Montevidéu, capital do Uruguai, o 9º. Encontro de Diretores e 8º. de Docentes das Escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação do MERCOSUL. No evento, estiveram presentes mais de 200 participantes oriundos da Argentina, Brasil, Chile, Venezuela e do país anfitrião.

A discussão foi ampla. Em alguns momentos, sobretudo no grupo cujo tema tem relação com meus interesses de estudo e, portanto, do qual participei, isto é, o Grupo 1, que trata dos Fundamentos Teóricos, brotaram dois aspectos que me parecem relevante considerar. Um deles é a referência a uma latinoamericanidade que, de praxe, não é propriamente discutida, mas tomada como uma realidade dada. O outro, que é discutido, mas por um caminho estranho, é afundamentação tomada para suportar teoricamente a Biblioteconomia e Ciência da Informação praticada, ensinada, aprendida e pesquisada nessa sub-região da chamada América Latina.

Neste texto, abordarei um pouco, como vejo esses dois aspectos da discussão, a partir de como a percebi durante o evento, e sempre considerando os limites do meu lugar de observação, ou seja, o Grupo 1 (Fundamentos Teóricos).

O que significa para todos nós a latinoamericanidade? O fato de constituirmos um ambiente geográfico conformado sobre um território invadido desde o século XVI por Espanha, que sempre reivindicou a sua maior parte e por Portugal, que sempre procurou avançar sobre sua maior parte, seria suficiente para dar o caráter latino, especialmente pelo fato de Espanha e Portugal terem idiomas predominantes de tronco comum? Terem sido lugares de ocupação romana por vários séculos? Terem sido lugares de domínio comum das mesmas famílias imperiais? Creio que traços como esses não são suficientes para marcar a latinidade! Mas entra na expressão também a americanidade. E a americanidade, tal como a latinidade, não é uniforme. Nesse território onde se daria a latinoamericanidade, invadido durante esses cinco últimos séculos, percebe-se na constituição das populações nativas, que o ocupavam anteriormente à chegada dos navios Espanhóis e Portugueses, a presença de centenas de nações e línguas; um número não pequeno de práticas místicas e religiosas; diferentes conhecimentos práticos que levam à formação de distintas técnicas e tecnologias construtivas, alimentares, vestuárias, etc.

Além de tudo isso, é de considerar-se que tanto latinidade quanto americanidade, para além de domínios linguísticos, místicos, religiosos, técnicos e tecnológicos expressos pelos povos que os cultivam, se definirá por outros aspectos, especialmente, por arte e ciência. Portanto, a percepção que se manifesta sobre a latinoamericanidade expõe e confirma uma das teorias da fenomenologia social, construída por Alfred Schutz, que, a despeito de sermos profissionais ou cientistas ou acadêmicos somos, como as demais pessoas, dominados pelo mundo da vida cotidiana, isto é, pela realidade a qual dá conformidade à nossa existência. Por essa razão, então, quando durante o evento se arguia em torno de um terreno comum – alatinoamericanidade -  isto vinha, inteiramente, de uma fundamentação intuitiva, completamente não científica, mas num ambiente onde estavam a discutir um tanto de cientistas da sociedade. Falavam como todas as demais pessoas, como todos aqueles com os quais se convive no grande grupo humano. Mas um primeiro aspecto estava sempre presente, falavam  como nacionais dos países ali representados, e isso ficava muito claro quando alguém comentava algo do tipo: vocês do Brasil têm características ou tradições A, B ou C. Ou  vocês do Uruguai têm características ou tradições D, E ou F, etcIsto é, pelos valores culturais, somos sem muitas dificuldades demarcados em muitos aspectos e por ai se esvai a latinoamericanidade como um singular.

No transcorrer do evento, lembrei-me dos textos do Gilberto Freyre, reunidos em antologia organizada por Edson Nery da Fonseca, sob o título China Tropical e outros escritos sobre a influência do Oriente na cultura luso-brasileira. [Editora UnB, 2003, 240 p.].  Penso que ao inserir na apreciação as reflexões, relatos e descrições do autor pernambucano - um dos precursores das Ciências Sociais no Brasil - posso colocar a questão de até onde o Brasil cultural se assemelha com todos os demais países de ascendência espanhola que se encontram no vasto território estendido da América do Norte, passando pela América Central até chegar à Terra do Fogo?

Eu não desconsidero que a maioria dos presentes tenha a noção de que essalatinoamericanidade singular não existe, pois os considero gente que reflete, embora demonstre uma reflexão reificada, para tomar uma expressão de Serge Moscovici, um dos grandes estudiosos das Representações Sociais. Isto é, refletem mais sobre sua ciência, não dando, provavelmente, a devida importância à vida cotidiana.

De certa maneira, isso se confirma e me remete ao segundo aspecto que me propus a aqui tratar, qual seja o dos Fundamentos teóricos da Biblioteconomia e Ciência da Informação.

Uma das questões que ocupou parte significativa do tempo disponível no Grupo teve relação com as bases com que se constrói e que se ensina para a formação das competências profissionais de bibliotecários e cientistas da informação.

Ao longo de todo o debate foram manifestados vários equívocos, que se deram pelo  olvido das particularidades jurídicas de  cada país. Chamar a Ciência da Informação e a Biblioteconomia de campos profissionais no Brasil, considerando-as como duas atividades pelas quais se nomeia profissões não faz sentido. Primeiro porque ambas são, se se quer dizer assim, ciências, disciplinas ou doutrinas. Bibliotecário, neste país, é profissão consagrada em legislação própria e com lugar definido no mercado de trabalho. Cientista da informação não tem esse mesmo status, a começar pelo fato de que no rol das profissões confirmadas pelo mercado profissional não há clara presença de um profissional assim designado. O mais próximo dessa intenção responde pelo nome de Profissional da informação, que insere os profissionais arquivistas, bibliotecários e museólogos como parte. Outro elemento não menos significativo, presente em parte das intervenções, é a insistência em buscar os fundamentos da Biblioteconomia e Ciência da Informação simplesmente em suas respectivas epistemologias. Mas será que uma ciência se explicaria pelo seu próprio olhar? Por que não se pretender buscar os fundamentos filosóficos mais amplos, pelos quais a Biblioteconomia e Ciência da informação possam ser examinadas e compreendidas pelas suas respectivas naturezas (Ontologia) e finalidades (Teleologia) e depois disso virem a ser examinadas quanto aos seus processos de constituição como campo de conhecimento? Será que é sustentável o discurso do investigador e será que esse discurso sustenta adequadamente o campo em que ele atua e constrói quando afirma que esse campo deve ser compreendido como um campo de conhecimento por ser interrogado pelo modo como ele se faz, sem se indagar possíveis razões que promovem a sua aparição no contexto da realidade humana assim como o destino ou emprego desse conhecimento?

Me escuso, neste momento, em ampliar esta apreciação, porém a mim parece que nesse evento ficou evidenciado que a nós, bibliotecários do MERCOSUL, não importa não saber, o que se deve conhecer para constituir um campo de Biblioteconomia e Ciência da Informação que, de fato, possa transformar a nossa sociedade.

Considerando, por fim, que se tratou de uma reunião de docentes e diretores de escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação, meu sentimento ao final é de que no MERCOSUL, ao menos do meu lugar de observação nessa reunião, prevalece o domínio e o puro encanto com a face instrumental do conhecimento. Isso se reforça pela reivindicação, por fim aprovada, do retorno aos eixos temáticos que orientam o processo de formação acadêmica em Biblioteconomia das áreas temáticas de Tecnologia da Informação e Investigação, especialmente, pelo conteúdo dos argumentos apresentados para o retorno desta última.

Publicado originalmente em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=709

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