Rudiger
Safranski é um leitor de Nietzsche. Como leitor de Nietzsche ele
publicou um magnífico livro sobre esse grande pensador do século XIX.
Com tradução de Lya Luft e publicado pela Geração Editorial em 2011,
está na praça em nova impressão neste ano de 2012. O livro: NIETZSCHE: biografia de uma tragédia, com 363 páginas.
Não
contarei nada sobre o livro, do qual recomendo a leitura. Entretanto
farei a transcrição de um trecho, para mim relevante, por nele encontrar
uma das explicações possíveis para o que está acontecendo com os
encontros de estudantes de Biblioteconomia, Arquivologia, etc, no
Brasil.
Esses
eventos, há décadas, deixaram de ser um espaço de congraçamento e
debate político, sendo cada vez mais um ambiente de congraçamento, pois
felizmente não se extinguiram os momentos de festas, mas empobrecido ou
destituído do debate político. O debate político (quem questiona sua
necessidade nos encontros de estudantes?) é cada vez mais fortemente
substituído (legitimamente?) pelas seções de apresentação de “trabalhos
científicos?”, com direito, estes, a serem objetos de seleção após
submissão a processo de avaliação rigorosa.
Não
tenho nada contra a que os graduandos tenham espaço para a apresentação
do resultado de seus trabalhos de iniciação científica, PET, etc., mas
isso não poderia ser feito, por exemplo, no espaço de um ENANCIB JOVEM?
Perguntando de outra forma, por que no evento anual da Associação
Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciência da Informação e
Biblioteconomia (ANCIB), onde são apresentados os resultados de
pesquisas realizadas nos Programas de Mestrado e Doutorado (em Ciência
da Informação, Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia), bem como a
produção de pesquisadores não vinculados a esses Programas, mas filiados
à ANCIB, não se poderia oportunizar o encontro de Doutores, Mestres,
Mestrandos, Graduados e Graduandos, interessados em pesquisa, uma vez
que estariam unidos pelo fino propósito dessa religião da era moderna: a
Ciência? Sim, a Ciência.
Em A gaia ciência Nietzsche
esclarece, aos seus leitores, porque do seu ponto de vista se
precisaria de outra ciência, que não esta que ai está realizada como
dever. E que como dever, como religião, tem seus papas, papisas,
sacerdotes, iniciações, etc. Não poderia ser a ciência, aliás, os
cientistas laicos?
Pois
bem, a transcrição de trecho do texto de Safranski, melhor esclarece,
em parte, o que isso quer dizer. E, por isso mesmo, creio que nesse
espaço religioso de uma das seitas científicas estabelecidas: a Ciência
da Informação poderiam estar todos os chefes, os sacerdotes, os crentes e
mais os aspirantes ao ingresso nessa seita. Com isso, o espaço mais
puro da política poderia ser restaurado, dentre os estudantes de
Biblioteconomia, Arquivologia, etc. em seus EREBDs e ENEBDs... Não é
algo para pensar?
Eis a fala de Safranski (p.110-111):
Para
o pensamento filosófico, no começo da era industrial, as dimensões
duradouras do Ser, isto é, Natureza e História, começam pois a
transformar-se numa espécie de máquina. A essas “máquinas”, pensam os
otimistas entre os contemporâneos de Nietzsche, podemos confiar a
produção da vida bem sucedida, sob o pressuposto, todavia, de que nos
portemos conforme nossas funções. A transformação do “processo mundial”
hegeliano em funcionamento mecânico e dispositivos industriais foi
descoberta por Nietzsche, com fina sensibilidade, em seu território mais
próximo, a ciência filológica. Formamos os jovens para os levar ao mercado de trabalho
científico, lá colocamos cada um diante de um tema e um probleminha
pequeno para que ele o trabalhe diligentemente, o todo é uma fábrica científica;
não sabemos para que o produto de diligência servem; em todo o caso,
eles dão sustento ao seu produtor. Na descrição dessa situação,
Nietzsche para em um momento e recorda seu uso linguístico: mas
involuntariamente aparecem em nossos lábios as palavras “fábrica,
mercado de trabalho, oferta, aproveitamento” – e todos esses auxiliares
do egoísmo – quando queremos descrever a mais recente geração de
intelectuais.
Bom,
quero reiterar que concordo com a forma como Nietzsche interpretou a
modernidade ocidental, sobretudo, estando na Alemanha onde, pela
primeira vez na história desta parte do planeta foi contratado em uma
universidade um profissional a titulo de cientista. No seu modo de ver,
se chegou ao estágio de transformar o pensar e a razão em coisas
tratáveis como “objetos” ordenados em linha de produção, partilhando em
etapas de diferente complexidade. É isso que está retratado. Isso não se
trata de ilusão, é fato. Eu, na atual condição de docente, orientador
de TCC, de dissertações e teses reproduzo isso. Sou, portanto, um dos
crentes dessa religião; não quero ver-me como sacerdote; sobretudo, sou
um dos produtores referidos por Nietzsche e vivo dessa produção.
Portanto, não é contra isto que lanço a questão.
A pergunta que faço é: todos os espaços onde acadêmicos se reúnem a qualquer título devem
estar submetidos ao controle do fazer científico? Somos todos, em todos
os momentos, somente peças dessa grande máquina, submetidos à
estreiteza da produtividade, do produtivismo e, assim, comprometidos com
a (de)formação dos espaços políticos, para que os estudantes saiam da
graduação desviados da política?
Não
creio que possamos, impunemente, deixar de perguntar algo sobre isso,
especialmente, nós formadores de bibliotecários, arquivistas....
SALVE 2013!
Publicado originalmente em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=722
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