No
início do mês de outubro deste ano estive em uma Escola/Curso de
Biblioteconomia em uma das capitais da região Nordeste do Brasil. Nessa
oportunidade, proferi uma breve palestra sobre o ensino da ética
profissional bibliotecária. O auditório contava com quase duzentos
estudantes de bacharelado em Biblioteconomia. A plateia estava
constituída por estudantes de todos os semestres, incluída a turma dos
recentemente ingressos. Dá para
dizer que uma parte significativa dos presentes já teve a chance de
ouvir falar sobre o Código de Ética do Conselho Federal de
Biblioteconomia (CFB). Entretanto, nesse Curso não há uma disciplina
específica sobre o tema e quando da colação de grau os formandos não
prestam o juramento sugerido pelo CFB. Com isso, momentos importantes
para a fixação de preceitos de ética profissional e valorização do
Código de Ética do bibliotecário deixam de ser propiciados aos egressos
dessa instituição. A certa altura da preleção, pedi para os presentes
manifestarem-se levantando o braço quando tivessem lido o Código mais de
uma vez. Ninguém se mexeu. Depois, pedi para que levantassem o braço
aqueles que leram o Código ao menos uma vez. Houve uma única
manifestação.
Dias
antes de ir a essa instituição eu fiz uma busca no site de sua
Biblioteca Universitária. Trata-se de uma universidade pública de médio
para grande porte. Ao verificar as informações administrativas dessa
Biblioteca, que exerce a coordenação de um sistema de bibliotecas,
encontrei menção a sua missão e aos seus valores. Entre os seus valores
pude ver que se inclui a Ética. Cliquei o mouse sobre o link “ética” e
esse me remeteu ao Código de Ética do Servidor público federal.
Ao confrontar os dois momentos surgiu-me a dúvida ora transformada em título desta coluna: o bibliotecário brasileiro despreza conscientemente o Código de Ética do CFB?
Por
que em uma BU, mesmo existente como parte de uma Universidade Federal,
composta como um sistema integrado por várias unidades e onde atuam
dezenas de bibliotecários, esses bibliotecários não se posicionam como
profissionais bibliotecários antes que como funcionários do Estado? Em
que sentido eles veem que se identificar coletivamente através do site
da Biblioteca como praticantes da Ética do servidor do Estado é mais
valioso do que se identificar pela ética de sua profissão? São essas
pessoas, de fato, crentes de que detém uma identidade profissional
constituída a partir da academia? Será que essas pessoas veem o valor do
que executam profissionalmente com tanta indiferença, que será mais
valioso cair na vala comum da aceitação e enunciação de uma identidade
profissional tão inexpressiva, quando comparada com aquela que é dada
pelo seu diploma e sua carreira profissional? Será que essas pessoas não
percebem que antes de serem funcionários estatais, somente ingressaram
no serviço público através de um concurso que exigiu o título de
bacharel em Biblioteconomia e o registro no Conselho Regional de
Biblioteconomia?
De
outro lado, será que de fato esses bibliotecários têm a consciência de
que sua postura é de completo abandono dos ideais de sua profissão?
Houve
um momento neste país, nos anos da década de 1990, em que a
regulamentação de algumas carreiras profissionais foi objeto de ameaça. A
tentativa governamental caminhava no sentido de desregulamentar as
profissões e a de bibliotecário estava entre elas. Conselhos
profissionais de várias categorias se mobilizaram e tal evento não se
deu. Numa situação desse tipo, é provável que esses bibliotecários, por
não se identificarem publicamente como bibliotecários aplaudissem uma
intervenção dessa natureza. Entretanto, se isso ocorrer eles seriam
meramente servidores públicos como outros quaisquer. Ao afirmar isso não
pretendo dizer que os servidores públicos não são bem representados por
esse Código de Ética. O que estou tomando para reflexão é o fato de que
grande parte das ocupações no Serviço Público é realizada por pessoas
cujo ingresso não se deu pelo perfil de uma profissão autônoma e
regulamentada. Nesse caso seu Código de Ética é mesmo dado pelo vínculo:
servidor público. Porém, no caso de pessoas cujo ingresso no serviço
público deu-se pelo perfil de uma profissão autônoma e regulamentada é
desarrazoado não se identificar pelo Código de Ética de sua profissão,
quando de seu relacionamento com o público.
Diante
da situação exposta, não creio, imediatamente, que o bibliotecário
brasileiro despreza conscientemente o Código de Ética do CFB. Credito
esse tipo de acontecimento a alguma falha na formação que essa
universidade está oferecendo aos seus estudantes de Biblioteconomia. Mas
também suponho que há alguma leniência do próprio Conselho Regional de
Biblioteconomia, da respectiva região, quanto ao alcance da fiscalização
exercida sobre essa Biblioteca Universitária e seus bibliotecários. Em
minha leitura a situação descrita vem em prejuízo da imagem profissional
do bibliotecário e, por isso, pode afetar a dignidade profissional
dessa categoria.
Publicado originalmente em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=714
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