23/09/2011

Modernização e Biblioteconomia nova no Brasil





Núcleo de Publicações do CED - UFSC - 2003 - 222 p.

Sobre o livro: Prefácio por FRANCISCO COCK FONTANELLA (Universidade Metodista de Piracicaba) também publicado em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2003v8n16p71/5249


SOUZA, Francisco das Chagas de. Modernização e biblioteconomia nova no Brasil. Florianópolis: NUP/CED/UFSC, 2003. 222 p. (Teses NUP, 9).


Em primeiro lugar quero agradecer ao Autor a honra que me concede de prefaciar sua obra. Peço desculpas, ao mesmo tempo, por seqüestrar parte do seu espaço para expor idéias e diatribes, pelas quais sou o único responsável. O que penso sobre vários temas não coincide com as idéias do autor. As divergências, porém, são de pequena monta. Além do mais, não vejo propósito em antecipar as idéias do autor; senão, bastaria ler o prefácio. E não é isso que se espera do leitor. Se o texto primeiro da Tese de Doutorado, que ora se torna livro e obra de fôlego direcionada a um público mais vasto, pôde receber, durante a defesa, os epitetos de "desabafo" e de "ressentimento" -- a meu juízo, inteiramente injustos --, que não dizer das diatribes que, vez por outra, explodem no meu discurso? Se houvéssemos de admitir que as ciências humanas devem movimentar-se fora do âmbito dos valores -- questão discutível ainda hoje --, então para que serve saber cientificamente que nossa escola é ineficiente, e para que serve desvendar cientificamente o processo dessa ineficiência e, muito mais, os processos que mantêm levas e levas de pessoas (chamamos de pessoas) no analfabetismo? Para que desvendar os processos que mantém multidões enormes de pessoas à margem do mercado (triste, implacável mercado) de trabalho e, portanto, dos seus benefícios (?) (esqueçamos por ora a famosa extração da mais valia -- a grande massa dos trabalhadores nem sequer sabe o que é isso --, nunca refutada), espoliadas de sua dignidade de pessoas, a qual nós, intelectuais, reivindicamos tão ciosamente para nós mesmos? A menos que defendamos uma ciência humana neutra, isto é, a serviço da dominação. Já sei: O MERCADO! Esse Leviatã moderno não dá a mínima para nós, como não dá a mínima para os pobres, para os famintos, para os miseráveis (temos que ter presente que o MERCADO não é uma entidade; ele é a arena de lutas entre pessoas e grupos de pessoas, mesmo que ele tenha uma "mão invisível"...). A dominação de classe -- conceito corroído pela literatura dos ideólogos dos dominantes -- é mais que um conceito: é uma realidade, que chega a ser cruel. Tanto que nunca dispensou a gendarmeria de todo tipo para fazer valer a sua razão. Assim o foi, assim será . A classe social não é uma entidade, nem é apenas uma denominação. Há pessoas, melhor, grupos de pessoas concretas, que, ao executar a atividade econômica, dirigem o curso das coisas em seu próprio benefício, não importando o que isso acarrete aos demais. Aí temos a dominação de classe. Dentro desse confronto -- o mercado não é pacífico -- a História das democracias ocidentais se fez sobre dois processos básicos: o exercício da força e o sufocamento ideológico. A força amortece ou neutraliza os rebeldes, os discursos perigosos, o direito de se reunir e de falar. Depois que os inimigos estão mortos, ou calados, ou amedrontados, a propaganda ideológica faz o seu papel. E é tão eficiente, talvez porque pega o operariado exatamente na satisfação, não já das suas necessidades, mas no atendimento aos impulsos e desejos, através do mercado. Os excluídos que se cuidem: a força não tardará, se quiserem se manifestar. O mercado é aliciante, é sedutor. A comunicação está praticamente toda nas mãos da(s) classe(s) dominante(s), mesmo a comunicação oficial. Onde está a voz dos operários? Onde, a dos analfabetos? Onde, a dos famintos? Onde, a dos desempregados? etc. A arena da dominação se situa no mercado. E os que estão fora dele? Problema? Ou não há nenhum problema nesta situação? Há quem defenda que, a partir da busca incondicionada (pode-se entender imoderada -- sem modo ou medida) do próprio bem-estar, possa-se chegar à realização do bem-estar da sociedade como um todo. Esta tese é cara a todos os defensores incondicionais do MERCADO. É reforçada com um argumento pragmático: na prática, o mercado realiza melhor e mais eficientemente a felicidade das pessoas (talvez eu deva dizer indivíduos, pois este termo não envolve compromissos...). Mas, até agora ele -- mercado -- fez o contrário em termos mundiais. Esta não é a tese do cooperativismo. Este tende a promover uma luta econômica menos desfavorável de certos grupos de pessoas frente ao grande anônimo MERCADO, melhor, frente aos grandes do mercado. Na Idade Média os profissionais de uma categoria se reuniam em Corporações para a defesa de seus interesses. Ainda hoje falamos de corporativismo", quando categorias de pessoas, em grupo, buscam a defesa incondicional de seus direitos e interesses, sem a devida e comedida atenção às possibilidades reais do contexto. Deste modo o termo corporativismo tem uma conotação francamente negativa. A sua contrapartida moderna seria o sindicalismo.
A obra, que ora vem a lume, mostra como na prática os Bibliotecários do nosso país desenvolveram uma luta constante em defesa dos seus interesses -- luta, aliás, bem sucedida --, caracterizando-se, entretanto, essa luta sobretudo por interesses corporativistas que, na realidade, redundaram em benefícios para os bibliotecários e malefícios para os usuários das bibliotecas. Essas lutas de caráter corporativista impediram que os bibliotecários ultrapassassem o nível do "guarda-livros". Está longe, porém, de ser este o maior mérito e interesse da presente obra. Ressalto alguns outros. Um deles se refere à criação de um modelo de Biblioteconomia gestado dentro da Biblioteca Nacional; não só dentro da Biblioteca Nacional, mas a partir da sua prática cotidiana interna. Esse modelo foi repentinamente substituído por um outro modelo importado. Tal modelo importado fora ele resultante de uma prática diuturna com a população no seu país de origem. Lá ele vigia apropriada e legitimamente, perfeitamente adaptado, como fruto de uma prática. Transplantado para outro país, de estrutura, cultura, povo, circunstâncias e necessidades distintas, o modelo foi "ipso facto" degradado. E a degradação se agravou na medida em que o tempo passou e o contexto mudou. As coisas mudaram, mas o modelo ficou... Um outro tópico que gostaria de ressaltar é a maestria do Autor, ao mostrar como esse movimento de implantação de um modelo só obtém inteligibilidade satisfatória na medida em que é visto de maneira abrangente no movimento interno do país e de suas interrelações com o movimento mais amplo do capitalismo mundial. Os diversos aspectos: social, político e econômico se distinguem, mas não se dissociam: a trama histórico-social é desvelada. Se a linguagem dialética do Autor é moderada, isto nada tem a ver (s.m.j.) com ecletismo, antes trata-se de um discurso coerente. Poderia ressaltar, ainda, a falácia da "modernização", apontada pelo Autor no discurso liberal brasileiro à época da implantação do modelo importado. Este, trazido no contexto da palavra de ordem "modernização", permaneceu até hoje... O discurso liberal da modernização em nosso país tem sido uma falácia continuada. No que se refere aos interesses imediatos do Capital tem pronta aceitação e eficácia. Nunca, porém, se chega sequer a falar em salários modernos. Podemos chegar à automação, à informatização, à engenharia genética, à energia nuclear , etc., mas não podemos falar em, quanto menos pagar, salários atuais, modernos. Temos os mais sofisticados serviços bancários, até via satélite; temos a maior lucratividade bancária do planeta; mas, gostaria que se cotejassem os salários dos bancários brasileiros com os dos bancários dos países "modernos". O mesmo e mais se diga
dos demais salários. Os jornais já publicaram: temos os preços das mercadorias como os do primeiro mundo, enquanto temos os salários do terceiro ou quarto mundo. Modernização não passa pela educação, pela saúde, pela alimentação, pela habitação, pela urbanização, pelas bibliotecas.... Modernização não é uma palavra mágica, mas tem que ser um processo, uma prática diuturna e teimosa, constante. A obra, que ora chega a público, mostra mais um exemplo concreto da falácia do discurso da modernização. Até as leis se atualizam, mas nenhuma lei por si mesma é capaz de mudar a realidade. Veja-se a Constituição de 88; veja-se também o ESTATUTO DO MENOR, publicado com tanto estardalhaço, e leiam-se a seguir as cronicas policiais no que tange à sorte dos nossos menores. Com a modernização da Biblioteconomia aconteceu o mesmo: a prática bibliotecária esclerosou, apesar do belo discurso. Talvez não seja isso novidade num país que tem fibra ótica, telefone celular, micros a tiracolo, cirurgias cardíacas em bebês, cheio de recursos alimentícios, exportador de carnes e muito alimentos, com satélites olhando para uma massa enorme e vergonhosa de analfabetos, de famintos, de menores abandonados, massacrados, e um punhado de ricaços e um monte de políticos fazendo belos discursos...

E a escola?

Precisamos de estudos sérios? Eis um aqui, leitor.

O Ensino de Biblioteconomia no contexto brasileiro: século XX




Editora da UFSC [2a. edição - 2009] - 189 p.

Texto da 4a. capa: Sabemos da força do contexto social, econômico e político das nações sobre as realizações e práticas profissionais e educacionais. Apresentamos neste livro um conteúdo organizado cronologicamente com os eventos que contextualizam o ensino da Biblioteconomia no Brasil, no século XX. Esses eventos foram mais claramente focalizados a partir dos anos da década de 1950, quando já estavam estabelecidas condições materiais que tornavam a realidade do ensino da Biblioteconomia vivamente correlacionada com um quadro político, econômico, educacional e de eventos marcantes da prática bibliotecária brasileira. Esperamos que docentes, discentes e pesquisadores dos campos da Biblioteconomia e da Ciência da Informação possam se beneficiar desta leitura e conhecer muito mais sobre a realidade brasileira contituída pelo ensino de Biblioteconomia.

Escrevendo e normalizando trabalhos acadêmicos




2a. edição [2001] - Editora da UFSC - 165 p.

16/09/2011

Ética na ciência da informação e biblioteconomia brasileiras: sua discussão em periódicos e anais de eventos

SOUZA, F. C. ; STUMPF, K. Ética na ciência da informação e biblioteconomia brasi-leiras: sua discussão em periódicos e anais de eventos. In: X ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 2009, João Pessoa, PB. Respon-sabilidade social da Ciência da Informação. João Pessoa, PB: Ideia/Editora Universitá-ria, 2009. v. 1. p. 1813-1831. http://dci2.ccsa.ufpb.br:8080/jspui/bitstream/123456789/539/1/Microsoft%20Word%20-%20GT%206%20Txt%203-%20SOUZA,%20Francisco%20das%20C.%20de_STUMPF,%20K.%20%C3%89tica%20na%20Ci%C3%AAncia....pdf

Dos deveres profissionais ou a deontologia

SOUZA, F. C. Dos deveres profissionais ou a deontologia. In: GOMES, Henriette Fer-reira; BOTTENTUIT, Aldinar Martins; OLIVEIRA, Maria Odaisa Espinheiro de. (Org.). A ética na sociedade, na área da informação e da atuação profissional. Brasília, DF: Conselho Federal de Biblioteconomia, 2009, v. 1, p. 133-145.




Ética e deontologia; textos para profissionais atuantes em bibliotecas


SOUZA, F. C. Ética e deontologia; textos para profissionais atuantes em bibliotecas. 1. ed. Florianopolis / Itajai: Ed, UFSC; Ed. UNIVALI, 2002. 165 p.

Possibilidades de entrever a ética na informação empresarial

SOUZA, F. C. Possibilidades de entrever a ética na informação empresarial. Informação & Informação, v. 7, n. 2, p. 95-104, 2002. http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/download/1701/1452

Conduta profissional, discurso ético e etica do discurso na Biblioteconomia.

SOUZA, F. C. Conduta profissional, discurso ético e etica do discurso na Biblioteco-nomia. Informação & Sociedade, v. 15, n. 1, p. 1-15, 2005. http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/56/1526

Ética bibliotecária no contexto atual.

SOUZA, F. C. Ética bibliotecária no contexto atual. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 136-147, 2007. http://www.scielo.br/pdf/pci/v12n1/10.pdf

O tema ética na literatura periódica brasileira de Ciência da Informação e Biblioteconomia.

SOUZA, F. C.; STUMPF, K. O tema ética na literatura periódica brasileira de Ciência da Informação e Biblioteconomia. Informação & Sociedade, v. 19, p. 77-85, 2009. http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/3105/3127

Presença do tema ética profissional nos periódicos brasileiros de Ciência da Informação e Biblioteconomia.

SOUZA, F. C.; STUMPF, K. Presença do tema ética profissional nos periódicos brasileiros de Ciência da Informação e Biblioteconomia. Perspectivas em Ciência da In-formação, v. 14, p. 94-115, 2009.
http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/pci/article/viewFile/782/637

15/09/2011

O bibliotecário brasileiro e o seu outro moral

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Dezembro/2010]

Uma questão elementar na discussão ética diz respeito à conduta do indivíduo em relação ao outro. No idioma português, dizer sobre o outro pode ter duas acepções, cuja origem vem da língua latina: o outro como alter, que diz respeito ao subjetivo, pois constitui parte do sujeito que constrói o pensamento e o outro como alii, um terceiro objetivado. Um sujeito que está ao longe!

Trago isto, a propósito de perguntar qual é o outro do bibliotecário brasileiro, querendo apreciar esse outro como aquele para quem ele oferece seu conhecimento, seu talento profissional, sua honestidade profissional, ao tempo em que busca reconhecimento social, dignificação profissional e justa remuneração.

De forma quase imediata, mas não necessariamente reproduzida em todo e qualquer ambiente social, pensa-se que quando o outro da ação do bibliotecário é constituído pelos pobres e carentes, os residentes dos bairros afastados e com pouca infra estrutura social; ou quando o outro da ação do bibliotecário é constituído pelos escolares, nem sempre bem tratados, dizem, pelos professores quanto à orientação à leitura, ao reconhecimento de fontes, à variedade de acervos; nesses dois casos, o discurso bibliotecário, lugar privilegiado para também se conhecer a sua ética, tende a apontar para uma identificação. Está ali o alter, ou seja, o outro do bibliotecário, seu espelho. Será por piedade? No primeiro caso, o desgraçado a ser incluído; o miserável que deverá receber um tratamento que lhe faça transpor as tantas barreiras que vem enfrentando ao longo de sua vida. No segundo caso, o imaturo, o aprendiz, um indivíduo, dizem, sufocado pelo autoritarismo pedagógico ou professoral. Mas aí, quem sabe, uma infeliz coincidência social e econômica. Quando olhamos os dados sociais referentes aos ingressantes nos Cursos de Biblioteconomia, vamos constatar que a grande maioria vem de famílias cujos pais têm baixa instrução escolar e têm de médio para baixo rendimento econômico. E aí vemos os dois fatores que fazem ver o seu alter não como metafísica; o seu outro é seu próprio contexto social e econômico anterior ao seu ingresso no mundo profissional bibliotecário.

A quem interessar, o que tem chamado a atenção ao longo dos últimos quarenta anos tem sido o distanciamento entre o discurso a favor da inclusão e a progressiva e permanente exclusão. Em proporção inversa ao crescimento populacional, a maior concentração de esforço e trabalho do bibliotecário brasileiro tem sido no sentido de atender às organizações do setor governamental e do chamado setor produtivo. Então, nesse caso, qual é o outro do bibliotecário? Certamente, aqui, o seu discurso não é o do piedoso salvador dos excluídos e dos sofredores estudantes, dizem, sempre massacrados por professores insensíveis e incompetentes. Portanto, a sua ética nesse caso, não é a de deontologista, que tem o trabalho a ser feito como missão, independentemente de juízos prévios. O fato de ter escolhido a profissão de bibliotecário já o impregnaria do dever de fazer o bem, pois sabe, por aquisição simultânea aos conhecimentos técnicos e profissionais, o que é o bom e o bem. E quanto a isso não caberia discussão. Mas esse bibliotecário, ao não ser um deontologista, impregnado pelo dever, tem que ser outra coisa. É um pragmático! O outro para ele já é de antemão justificado como fonte de benefício pessoal e direto. Essa postura em termos éticos ou morais leva a um utilitarista. O utilitarista avalia a sua ação e a realização da mesma pela consequência material que gera. E a consequência dessa avaliação tem relação imediata com a renda remuneratória que o salário assegurará. A comunidade para a qual trabalha, em geral governo e empresa, não é formada por coitados, excluídos, por populações em perigo, portanto ele não precisa ter a postura quixotesca de auxiliar na, e muito menos defender, a luta pela inclusão social ou econômica. Ele está, justamente, do lado dos que produzem a miséria social e econômica, seja pela configuração que dão às políticas sociais das quais são responsáveis, seja pela forma como tratam o movimento do capital e seu emprego na produção industrial, no setor de serviços ou na indústria financeira, por exemplo.

Grosso modo, pode-se dizer então que não é possível em uma sociedade de duas caras como a do Brasil (uma que produz miséria social e econômica e outra que é a materialização da miséria social e econômica), que caiba a existência de um único código de ética bibliotecário; ou de um código de ética que tenha o recorte deontológico do atual código de ética do bibliotecário brasileiro. Trata-se de um código que desconsidera a existência da produção da miséria e, assim, por omissão, não pensa sobre a ação do bibliotecário que é utilitarista por trabalhar em um segmento da sociedade voltado como fim último para a busca material do lucro. De um bibliotecário para quem ganhos econômicos reais são a única coisa que sabe reconhecer como referência para a sua ação e que assim, é sócio, não necessariamente ingênuo, da produção da grande desigualdade que há em nossa sociedade.

Quando olhamos esse breve quadro, vemos que há muito para se refletir. Exemplos não faltam. Pode-se olhar o modo financeiro utilitário como é conduzido o SNBU, do qual comentamos aqui uma das facetas em uma das colunas de 2010: a exploração dos participantes; pode-se analisar mais e melhor a questão do concurso no sistema CFB/CRBs que também aqui foi tratado em 2010. Mas precisamos ir muito mais longe e mais fundo. Há grupos de bibliotecários hoje atuando em sistemas de bibliotecas universitárias, que tratam a si e a seus superiores hierárquicos como somente operadores de ações, independentemente de quererem ou de saberem avaliar o que constroem para o futuro. Seriam eles ingênuos?

Recomeçarei 2011, em março, tratando de uma questão que merece análise ética, com base mesma no atual código e ambientada no Sistema Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.

Um ótimo final de ano e felizes dias futuros!

A fraqueza da atuação do bibliotecário brasileiro como (o)missão politica e profissional

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Novembro/2010]

Na coluna publicada no último mês estabeleci um conceito para distinguir de uma Biblioteconomia de ICT (Informação Cientifica e Tecnológica) o que chamei de Biblioteconomia Social. Disse que:
“Biblioteconomia social pode ser compreendida como todo o conjunto de atividades bibliotecárias realizadas no âmbito operacional de bibliotecas públicas (estatais ou comunitárias) e bibliotecas escolares, com atendimento público em sedes fixas ou através de serviços móveis, no caso das primeiras. O caráter social (...) aludido é dado pelo propósito a que os serviços se destinavam, isto é, majoritariamente para prover à população uma formação autodidata, uma formação geral e servir como instrumento à educação”.

Efetivamente, esse propósito da oferta de suporte de conhecimento para a educação delimitava o alcance das práticas bibliotecárias majoritariamente realizadas até a metade dos anos da década de 1960. Hoje, naturalmente, essa biblioteconomia social tem um alcance maior, especialmente pela ampliação das necessidades informacionais coletivas dos moradores e visitantes do país, do potencial econômico do Brasil, da grandeza de seu parque educacional e da presença de uma quantidade expressiva de micro e pequenos empreendimentos no território brasileiro. Esses empreendimentos têm um porte de negócio que não lhes permite ter biblioteca própria, contratar serviços de profissionais bibliotecários ou ter equipe para buscar o suprimento de suas necessidades junto às unidades de informação nas entidades representativas dos setores econômicos comerciais, industriais e de serviços. Esses micro e pequenos empreendimentos representam mais de 90% ou um pouco mais de três milhões e quinhentas mil empresas em 2008 no Brasil.

Assim, considero que também devam ser incluídas no âmbito da Biblioteconomia Social o atendimento que, através da Biblioteca pública, deve ser dado para públicos com características dessa ordem. Esse entendimento que expresso aqui, soma-se a uma percepção de há muito refletida no contexto brasileiro e exposta, por exemplo, em textos de Ana Maria Polke e de Emir Suaiden, quando tratam do que definem como informação de uso utilitário. Al Kagan, no artigo IFLA and Social Responsibility: A Core Value of Librarianship, disponível em: http://www.indiana.edu/~libsalc/african/IFLA.pdf, afirma seguindo essa mesma linha de compreensão que:
“Public libraries provide community information on local health services, bus routes, job opportunities, and other social services. Libraries can also provide tax forms and condoms to prevent HIV/AIDS. Public libraries can be a place for literacy classes and voter registration. They can indeed become community centers where people, including poor people, immigrants, and diverse populations of all kinds find materials and participate in local culture and civic affairs to actualize their potentials and develop their communities”.

Entretanto, para além de se expor uma noção ou oferecer uma ementa do que caberia incluir no conceito ou definição de Biblioteconomia social, como um campo de estudo e, por isso, como o recorte de um segmento da realidade para análise, cabe alertar que tal escolha deverá decorrer de uma postura e atitude ética e das escolhas que cabem aos bibliotecários para assegurar respostas à missão que a doutrina ética escolhida possa lhes oferecer como orientação sem, simultaneamente, descurar de como está constituída a realidade brasileira.

O ambiente brasileiro, a considerar a partir da invasão do território que o abriga pelos europeus no ano 1.500, e enfocando os aspectos filosóficos, políticos, sociais e econômicos, continua a ser uma construção com a integração de diferentes povos, oriundos de ambientes rurais e médio industriais. Essa circunstância coloca diante de todos matrizes sociais e psicológicas distintas, forjando uma política ainda civilizacionalmente primitiva, como explicada por Faoro em Os donos do poder; socialmente excludente, como demonstrada por Freyre em Casa Grande/Senzala; etnicamente indefinida, como demonstrada por Ribeiro em O povo brasileiro; economicamente subordinada, como demonstrada por Furtado, em Formação econômica do Brasil e moralmente deformada, como demonstrada por Buarque, em Raízes do Brasil. Saber um pouco sobre essas matrizes permitiria ao bibliotecário brasileiro entender melhor porque vem construindo, como o faz, a sua política profissional de uma forma pouco comprometida. É que os líderes políticos presentes nessa comunidade profissional, assim como nos demais grupos profissionais, talvez não estejam também comprometidos devidamente com a produção de um bem estar social subordinado a uma postura de ética deontológica, mas, sim, subordinado a uma conduta consequencialista, decorrente do utilitarismo. Essa postura gera em quase todas as lideranças a capacidade de fazer a “sua parte” condicionada ao controle do resultado “possível” e apostando na ignorância do “outro” quanto ao saber cívico, técnico e moral. Por esse raciocínio, se explica a presença da escola que não ensina devidamente, do bibliotecário que acentua a ação técnica sobre a coleção e ultimamente sobre a tecnologia, desconhecendo que tudo isso é secundário em relação ao usuário.

É por causa de uma precária leitura da realidade e por acentuar a mesma noção de poder detida pelos demais segmentos da sociedade, que também os bibliotecários tendem a criar um número cada dia maior de entidades de caráter representativo. Mas são entidades que pouco representam na medida em que carecem de buscar receita financeira do mesmo contingente de profissionais e, por isso, já começam enfraquecidas ou tendem a sê-lo com o correr dos anos. Além disso, quanto mais entidades mais abandono dessas pelos profissionais que tendem a vê-las como “chupins” ou “sanguessugas” econômicos dos quais devem se afastar. A conseqüência mais perceptível dessa atitude é a de acomodação e da espera de que as diretorias dessas entidades dêem conta de ser as entidades. Essa postura representa o “esquecimento” de que as entidades são, prática e moralmente, o conjunto de seus associados. Mas, ao mesmo tempo, a pouca filiação de membros nessas entidades da biblioteconomia, como associações e sindicatos, tendem a confirmar o descompromisso e o distanciamento sistemático de seus sócios “naturais”.

Quando se vê esse quadro, a postura mais ética e prudente, quando se entende que é possível construir-se um caminho para o fortalecimento da identidade de um grupo profissional, com vistas ao reconhecimento social, é lutar para propor e conseguir adesões para construir uma aproximação programática entre as entidades. Isso suporia que essas entidades, a partir da adesão de suas diretorias a tal participação, seriam estimuladas a retomar as ações de auto estimulação política, a retomada de estratégias de discussão e construção permanente do futuro. Assim, com uma possível força moral, poderiam assumir compromissos perante as demais entidades da biblioteconomia e, mutuamente, de empreenderem suas missões focadas na sociedade a partir do seu próprio auto fortalecimento.

Dentre as manifestações que recebi ao longo de outubro de 2010, em alusão ao texto publicado no início do mês, chegou uma mensagem que conclui assim: “gostaria que quando e se houver reunião de entidades que elas pensassem nas eleições municipais e fechassem alguns pontos para trabalhar com os candidatos a futuros gestores e vereadores. Sempre espero por mudanças.”

Esse recorte demarca bem a situação: há alguém, e que é uma grande parte dos bibliotecários brasileiros, “que sempre espera por mudanças”. Essa atitude contemplativa ─ que a leitura de Faoro em Os donos do poder; Freyre em Casa Grande/Senzala; Ribeiro em O povo brasileiro; Furtado, em Formação econômica do Brasil e Buarque em Raízes do Brasil dá material para compreender como se constitui ─ tem o condão de transferir a terceiros a responsabilidade política e moral do bibliotecário. Só que a atitude de esperar não é um componente da missão profissional do bibliotecário. Se interpreto Ortega y Gasset pelo que escreveu em Missão do bibliotecário, com um pouco de clareza, tiro como resultado que por volta do século XV era missão “caçar livros”, por volta do século XVIII era missão “caçar leitores” e neste século é missão construir os meios para subsidiar os leitores a continuarem a ser os criadores de realidades cada vez mais compatíveis com o desenvolvimento humano. Dá para o bibliotecário cumprir essa missão de forma contemplativa? Mais que isso, dá para propugnar que as entidades pensem sem participar de seus fóruns e de suas deliberações?

A fraqueza das entidades da Biblioteconomia brasileira como um problema

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Outubro/2010]

Penso que não está completamente evidente para todos os bibliotecários brasileiros o quanto se fez nos anos das décadas de 1950, 1960 e, sobretudo na de 1970 e seguintes, como apoio consciente ou não dentro de sua categoria profissional, para o enfraquecimento do que se pode denominar de Biblioteconomia Social, bem como a possível relação desse fato com o também enfraquecimento das entidades representativas da profissão.

Para melhor situar esta reflexão, digo que Biblioteconomia social pode ser compreendida como todo o conjunto de atividades bibliotecárias realizadas no âmbito operacional de bibliotecas públicas (estatais ou comunitárias) e bibliotecas escolares, com atendimento público em sedes fixas ou através de serviços móveis, no caso das primeiras. O caráter social aqui aludido é dado pelo propósito a que os serviços se destinavam, isto é, majoritariamente para prover à população uma formação autodidata, uma formação geral e servir como instrumento à educação. Em todo o seu sentido, as práticas da Biblioteconomia social se distanciavam e se distanciam das práticas da Biblioteconomia especializada, pois nesta os serviços ofertados destinavam-se e destinam-se majoritariamente a subsidiar a produção de outros bens, na medida em que o conteúdo ofertado passou a ser denominado de Informação Científica e Tecnológica (ICT). E ICT passou a ser concebida como um insumo produtivo de valor econômico substantivo, pelo que se propaga a ideia de que “informação é poder”.

Durante toda a trajetória das práticas bibliotecárias brasileiras anteriores à criação da Biblioteca Nacional e, mais tarde, após a criação do Curso de Biblioteconomia nesta entidade, e até à criação do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), prevaleceu a realização de práticas bibliotecárias de uma Biblioteconomia social. Evidentemente, o ambiente econômico ainda não requeria a ICT cuja necessidade, praticamente, decorre da modernização industrial e da modernização da administração federal implantada a partir do Estado Novo, já no primeiro Governo Vargas. A demanda de ICT vai se aprofundar no escopo da política de investimentos instalada nos governos militares posteriores ao golpe de março de 1964.

É a partir desse momento, sobretudo nos anos de 1970, que essas decisões econômicas vão contribuir para inserir demandas mais acentuadas de ICT no mercado de trabalho do bibliotecário. Essas demandas, para receberem mão de obra em conformidade com seus interesses vão exigir das escolas de Biblioteconomia a implantação de mudanças de conteúdo em seu ensino de graduação. Na prática, para fazer isso, ajustavam-se currículos, regionalizando-os, mas não se realizava a esperada discussão política desses direcionamentos nos conclaves realizados pelos bibliotecários brasileiros em escala nacional embora isso implicasse na discussão do projeto da profissão, do seu porvir, dos perfis desejáveis para seus egressos, de novas convivências profissionais, etc. O CBBD dá testemunho disso!

Evidentemente, é possível se alegar que o contexto político daquele longo período de ditadura era aterrador. Era! Havia uma supressão de liberdades políticas; havia perseguições por ideias, havia censura feroz sobre as profissões, sobretudo às que lidavam com informações, pois se a ICT era poder de viés econômico, também era poder, com outra dimensão, o saber estético, político e histórico que chegasse mais abundantemente aos olhos dos leitores das bibliotecas públicas, as quais ficaram cada vez mais abandonadas e que pouco se investiu em sua ampliação massiva até hoje. Igualmente, se construiu e se investiu pouco em bibliotecas escolares, cuja irrelevância presumida atesta o longo tempo em que predominaram nos currículos do ensino ginasial (a segunda etapa do fundamental à época) e médio as disciplinas: “Educação Moral e Cívica (EMC)” e “Organização Social e Política do Brasil (OSPB)”. Também, com não menor impacto isso foi imposto aos currículos dos cursos universitários através da disciplina: “Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).

Foi nesse quadro de temor que a categoria profissional bibliotecária brasileira limitou de forma consciente ou não sua atuação de caráter político. Não se deve a proiri condenar aqueles que colaboraram com essa situação, quando aceitamos que vivemos conforme o contexto, motivando-se pela idéia de que tudo muda e, assim, as dificuldades de um dado hoje serão superadas num dado futuro. Mas quando esse futuro chega precisa-se olhar para o que não foi feito e recuperar o tempo perdido. E nesse caso, esse futuro é o hoje e já conta muito tempo que chegou. E hoje, a situação das bibliotecas públicas e escolares brasileiras mostra essa necessidade de recuperação do tempo perdido!

Entretanto, para se recuperar esse tempo ou simultaneamente à recuperação desse tempo urge que se faça um exame dos hábitos formados ao longo desse extenso período de descaminhos para reiniciar o projeto político profissional dos bibliotecários e da Biblioteconomia brasileira. Este projeto não pode excluir hoje a ICT, mas precisa recuperar o lugar da Biblioteconomia social.

Por essas considerações, entendo que é inadiável uma retomada de discussão que possa nos fazer perceber quais as nossas questões comuns (o que nos interconecta) e com isso encontrar os instrumentos que fortaleçam as entidades da Biblioteconomia e de todo o campo da Informação brasileira. É isto que espero: seja esse o fruto do trabalho que vem sendo realizado no âmbito do GT6 (Informação, Educação e Trabalho) da ANCIB. Em 2009 foi feita uma primeira reunião no X ENANCIB, realizado em João Pessoa – PB com a presença da FEBAB, CFB, ABECIN e ANCIB, e neste ano de 2010 anuncia-se que será realizada a segunda reunião, desta vez com a presença, além das quatro entidades que participaram no ano passado de muitas mais.

Estou torcendo positivamente pelos bons resultados dessas reuniões!

Fortalecimento e interconexão das entidades da Biblioteconomia e Informação

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br -Setembro/2010]

Em 1954 foi realizado o primeiro Congresso Brasileiro de Biblioteconomia. Nos seus primeiros anos de realização esse evento teve a força de agregar discussão sobre as questões de interesse dos profissionais e da profissão de bibliotecário. Adquiriu o sentido de um parlamento a partir do qual os bibliotecários brasileiros olhavam o passado e o presente para pensar sobre como construir e o que ter alcançado no futuro. Dessa maneira, todos os temas mais evidentes no momento de sua realização eram objeto de apreciação. Mas esse parlamento foi sofrendo desgaste ou ajustando-se à multiplicação dos interesses e, assim, foi perdendo o seu papel de centro de análise e difusão de ideias construtoras. Temos visto, então, que nos últimos 43 anos o movimento de caráter fragmentador que se tornou dominante no universo biblioteconômico brasileiro não garante a existência de um ambiente em que se possa integrar uma visão de conjunto desse todo.

Chamo de universo biblioteconômico ao conjunto de pessoas que portam a profissão de bibliotecário, suas práticas, as entidades que constituíram para o ensino na graduação e na pós, defesa e regulação profissional, bem como a todos os conteúdos formativos, documentos científicos e normativos que produziram e produzem. Isto quer dizer que creio ser este um universo complexo. No entanto, percebo que a fragmentação que se produziu nessas pouco mais de quatro décadas tem demonstrado a acumulação de dificuldades que, no todo, não beneficiam esse mesmo universo biblioteconômico brasileiro. E, no caso, tais dificuldades também não aumentam o beneficio para as comunidades usuárias dos serviços bibliotecários.

Olhando-se os acontecimentos, verifica-se que a primeira ruptura deu-se com a criação da Associação Brasileira das Escolas de Biblioteconomia e Documentação (ABEBD), em 1967. Essa iniciativa operou no sentido de especializar uma discussão que, até então, envolvia a todos os bibliotecários, particularmente, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD). Em seguida, em 1972, criou-se o Encontro Nacional de Estudantes de Biblioteconomia e Documentação (ENEBD), uma subespecialização do discurso escolar da Biblioteconomia. Em 1978 deu-se início à série de eventos “Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias” (SNBU), inicialmente como parte das atividades da Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitária (CBBU), uma das comissões técnicas da Federação Brasileira de Associações Bibliotecárias (FEBAB). Em 1989 surgiu a (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia (ANCIB), fato que se deu pela dificuldade da ABEBD conciliar e implantar sua proposta de formar uma Câmara de Graduação e outra de Pós-Graduação em seu ambiente institucional. Em 1994 foi realizado o primeiro Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação e Biblioteconomia.

Das deliberações, indicações e apontamentos de estratégias futuras geradas nesses eventos pouca coisa se faz para integrar em espaços comuns de discussão e deliberação mais ampla, compondo uma posição integrada e, por isso, potencialmente mais forte, que reverta significativamente para a sociedade. Cada entidade, ao final de “seu” período de discussão e debate, que pode ser anual, bienal, trienal ou sem qualquer prazo, se contenta em que alguns dos seus pares, a maioria dentre os que compareceram aos respectivos conclaves, tenham idéia das conclusões formuladas. O máximo de realização fica por conta de que o debate foi feito, pessoas compareceram, captou-se algum recurso suficiente para pagar as contas do evento, prestou-se contas e pode-se dormir em paz até a próxima edição ou, algumas vezes, ainda se tenha que buscar auxílios para o fechamento de contas a saldar. A repetição disso, espelha, para além da fragmentação das entidades e de seus eventos, o estilhaçamento dos temas e uma certa despreocupação com a sociedade em volta, tanto no que esta vai reforçando como distanciamento e menos valorização das várias frentes do campo profissional, quanto pela angústia dos agentes dessa fragmentação em ampliá-la ainda mais, justificando que isso representa um esforço necessário para superá-la.

Evidentemente que essa fragmentação tem alguma relação com o crescimento econômico e com a mobilização social brasileiras e, de certo modo, sofreu limitações decorrentes do modo como são estabelecidas as políticas públicas no pais, mas tem muita relação com o temperamento patrimonial, patriarcal e da cordialidade brasileira, da forma como essa cordialidade foi interpretada por Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”.

Em que pese essa tradição ou temperamento que explicam as razões pelas quais as coisas são deixadas ao acaso e ao “Deus dará”, há nos últimos anos certa predominância de um discurso - nem sempre coerente mas usual nos Cursos de Biblioteconomia e nos Departamentos de Ciência da Informação de várias universidades brasileiras - que entroniza os fundamentos da Gestão da Informação como centrais nos conteúdos formativos dos bibliotecários. Por esse discurso, os bibliotecários (vulgos profissionais da informação) sairiam preparados para a realização de práticas profissionais de alto nível e com responsabilidade ética e social. Se isso, de verdade, fosse isso mesmo seria somente maravilhoso. Mas isso é isso mesmo? Apostemos que sim, é isso mesmo!

Feita a aposta, desafio as entidades que se desmembraram ou foram criadas pela iniciativa e esforço da FEBAB, isto é, CFB e CRBS, CBBU, ABECIN (a sucessora da ABEBD) e ANCIB a, juntamente com a mesma, planejarem e executarem um grande evento em que suas deliberações individuais tiradas nos conclaves que realizaram nesta primeira década do século XXI sejam sistematizadas e discutidas com a finalidade de resultar numa proposta de política nacional de bibliotecas e informação. Uma proposta de base, que poderia ter a força aglutinadora capaz de mostrar para a sociedade que existimos e, mais que isso, somos capazes de assumir posições política e socialmente responsáveis.

A que distância o Código de Ética do CFB vê o usuário ou cliente dos serviços profissionais do bibliotecário?

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Agosto/2010]

Consideremos como ponto de partida desta reflexão, que sendo produtores de concepções sobre o que é real e concreto, todos os humanos ao viverem em um ambiente social só as produzem para outrem também humanos e viventes em sociedade. Se eles forem bem formados moralmente, orientados pelos bons princípios éticos, eles transformam essas concepções em boas representações verbais ou discursivas de boas intenções. Ao agirem assim, eles situam sua existência num mundo de “nós”, de rede, de sociedade. Quer dizer, se esses “todos humanos” somos nós, então deveríamos agir como tal, potencializando e valorizando a presença de todos por todo o tempo, independentemente do espaço onde estejamos situados.

No discurso funcionalista da prática e no discurso da ética das profissões, essa possibilidade de agirmos como nós se esvai, na medida em que cada categoria postula uma identidade de grupo que tende a dar equivalência à noção “todos os humanos”, ao conjunto de indivíduos que portam as mesmas habilidades ocupacionais ou o mesmo domínio de conhecimento ou as mesmas credenciais fornecidas por uma entidade certificadora de uma dada forma de aplicar um dado conhecimento prático.

Em conformidade com isso, em nossa realidade contextual passam a existir duas figuras: “nós” e os outros. Nós, sem a humanidade que há nas pessoas, pois somos instrumentos de produção de soluções e os outros também sem essa humanidade, posto que são caracterizados como aplicadores das soluções que produzimos e que as teriam buscado como se fossem instrumentos de corte que buscam o esmeril a lhes afiar.

Esse pensamento, por simples que seja, está por trás das ações de todos os profissionais atuantes em todos os campos e, dessa forma, também está por trás do pensar e fazer dos bibliotecários brasileiros.

Uma forma pontual pela qual essa ideia se manifesta está presente nos artigos 5, 6 e 7 do Código do Ética do Conselho Federal de Biblioteconomia (Resolução CFB número 42, de 11 de janeiro de 2002). De modo elementar está evidente nas relações que o Código estabelece sobre a conduta que o Bibliotecário deve ter perante seus colegas de profissão (art. 5); a conduta que o Bibliotecário deve ter perante a “classe” (art. 6) e a conduta que o Bibliotecário deve ter perante os usuários ou clientes (art. 7). No caso do artigo 5, a conduta está disposta em oito prescrições; no caso do artigo 6, a conduta está disposta em sete prescrições e no caso do artigo 7, a conduta está disposta em três prescrições. Trocando em miúdos, há quinze prescrições a serem seguidas pelos bibliotecários, quando olham as relações que devem ter entre si e apenas três prescrições quando se trata das relações que terão com os usuários. Daria para se dizer que os usuários são desconhecidos dos bibliotecários? Que os bibliotecários não fazem a menor ideia de quem são os usuários ou clientes? Ou, de outro lado, que os bibliotecários sabem tanto quem são entre si, que devem claramente estipular a forma com que cada um deve conduzir-se no Grupo? Nesse caso, esse saber tão bem permite antecipar a maioria das situações em que os bibliotecários, como indivíduos que são, têm algum potencial de não sociabilidade que deve claramente ser antecipado, dando base para a afirmação de como devem agir no trato com seus pares?

Esta reflexão, evidentemente, vem na sequência daquela apresentada na coluna do mês de julho. Simplesmente, há muitas questões a serem examinadas pelos bibliotecários, e parte delas não serão resolvidas com projetos mobilizadores em prol de determinados tipos de bibliotecas; a maioria das questões em aberto perpassa a necessidade de se conhecer o contexto em que estamos situados e saber sobre as carências das pessoas que demandam conteúdos informacionais cujo acesso pode ser facilitado pelo trabalho de bibliotecários. Só com esse conhecimento se poderá assumir com mais segurança que relação os bibliotecários podem querer ter com a sociedade. Só com esse conhecimento se poderá ter base para fazer evoluir a um ponto além do que hoje está exposto no Código do CFB. Um Código de conduta, que redigido originalmente do final dos anos 1950 para o início dos anos 1960, pouco evoluiu em seus termos, sendo incapaz por isso de propor uma relação dos bibliotecários brasileiros com seus públicos, cuja evolução comportamental, econômica e política que ocorreu nos últimos cinquenta anos não está nele incluída.

A título de esclarecimento do leitor, eis a transcrição dos artigos referidos.

Art.5º - O Bibliotecário deve, em relação aos colegas, observar as seguintes normas de conduta:

a) ser leal e solidário, sem conivência com erros que venham a infringir a ética e as disposições legais que regem o exercício da profissão;

b) evitar críticas e/ou denúncias contra outro profissional, sem dispor de elementos comprobatórios;

c) respeitar as idéias de seus colegas, os trabalhos e as soluções, jamais usando-os como de sua própria autoria;

d) evitar comentários desabonadores sobre a atuação profissional;

e) evitar a aceitação de encargo profissional em substituição a colega que dele tenha desistido para preservar a dignidade ou os interesses da profissão ou da classe, desde que permaneçam as mesmas condições que ditaram referido procedimento;

f) colaborar com os cursos de formação profissional, orientando e instruindo os futuros profissionais;

g) tratar com urbanidade e respeito os colegas representantes dos órgãos de classe quando no exercício de suas funções, fornecendo informações e facilitando o seu desempenho;

h) evitar, no exercício de posição hierárquica, denegrir a imagem de profissionais subordinados e outros colegas de profissão.

Art. 6º - O Bibliotecário deve, com relação à classe, observar as seguintes normas:

a) prestigiar as entidades de Classe, contribuindo, sempre que solicitado, para o sucesso de suas iniciativas em proveito da coletividade, admitindo-se a justa recusa;

b) zelar pelo prestígio da Classe, pela dignidade profissional e pelo aperfeiçoamento de suas instituições;

c) facilitar o desempenho dos representantes do órgão fiscalizador, quando no exercício de suas respectivas funções;

d) acatar a legislação profissional vigente;

e) apoiar as iniciativas e os movimentos legítimos de defesa dos interesses da classe, participando efetivamente de seus órgãos representativos, quando solicitado ou eleito;

f) representar, quando indicado, as entidades de Classe;

g) auxiliar a fiscalização do exercício profissional e zelar pelo cumprimento deste Código de Ética comunicando, com discrição, aos órgãos competentes, as infrações de que tiver ciência.

Art.7º - O Bibliotecário deve, em relação aos usuários e clientes, observar as seguintes condutas:

a) aplicar todo zelo e recursos ao seu alcance no atendimento ao público, não se recusando a prestar assistência profissional, salvo por relevante motivo;

b) tratar os usuários e clientes com respeito e urbanidade;

c) orientar a técnica da pesquisa e a normalização do trabalho intelectual de acordo com suas competências.

É a biblioteca escolar o “xis” da questão?

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Julho/2010]

Para escrever o texto de minha última coluna, publicada neste Infohome no início de junho, detive-me um pouco a verificar a reação de educadores, blogueiros e jornalistas à sanção e publicação da Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010. Essa lei “dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País”. O que vi e li chamaram-me a atenção pelo profundo desconhecimento que as falas manifestavam acerca da presença do bibliotecário. O que provoca esse desconhecimento é, seguramente, algo que interessa aos bibliotecários, pois não existem efeitos, nem sentimentos ou sensações surgidas ao acaso. De outro lado, inquietavam-me os festejos que os bibliotecários em várias listas de discussão faziam em torno dos benefícios da tal lei, sobretudo pela esperança da geração de dezenas de milhares de novos postos de trabalho ou empregos para a categoria.

Depois da publicação da coluna de junho, recebi algumas manifestações e formei a percepção de que há bibliotecários neste país que vêem outros vieses provocados pela existência daquela lei. Isso me trouxe novas dúvidas e passei a questionar sobre qual ou quais fatores poderiam estar por trás da distância revelada pelos discursos de uns (educadores, blogueiros e jornalistas) e de outros (bibliotecários).

A fim de tentar entender onde poderia estar o “xis” da questão fui examinar com mais atenção o PROJETO MOBILIZADOR: BIBLIOTECA ESCOLAR CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE INFORMAÇÃO PARA O ENSINO PÚBLICO, lançado pelo Sistema CFB em Brasília, no ano de 2008. Não sei se alcancei o melhor entendimento, mas faço alguns comentários com base no melhor entendimento que a minha leitura pode me fornecer.

De início, vi que se trata de um texto calcado em uma visão intervencionista, sustentado em grande egocentrismo exposto tanto nos objetivos, quanto na atribuição a priori dos papéis a serem cumpridos pelos possíveis parceiros. Porém, mais do que isso, entendo que o teor do documento considera a rede escolar e todos os seus membros, professores, alunos e pais como detalhe, que nem sequer merece ser mencionado.

Ora, quem conhece o mínimo do campo de conhecimento denominado Estudos Curriculares ou, ainda, a Sociologia Educacional; quem ouviu falar e conhece os esforços teórico e práticos da Teoria Crítica da Educação, sabe que os parceiros primeiros de quaisquer mudanças na Escola e, portanto, no ensino, visando à sua qualificação, são os professores, os estudantes e seu pais, geralmente definido como comunidade escolar. Sabe que as melhores intenções de política educacional tendem a naufragar quando os formuladores de tais políticas desconhecem que a escola, como qualquer outra instituição social, existe pelo compromisso das pessoas que lá estão e o sentido que dão a esse compromisso e a assimilação a esse compromisso das idéias e proposições de origem externa.

No discurso do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, a comunidade escolar viva não está presente, nem ao menos é mencionada. Além dessa comunidade, existem as entidades que a apóia e que, em geral, se distanciam dos Governos. E, a bem da própria sociedade, essas entidades sempre devem estar longe dos governos para que possam criticá-lo e assim possam obter respostas mais satisfatórias aos anseios do povo que representam. Entre elas, estão as entidades do movimento social, os sindicatos, a imprensa livre. O que me parece é que tanto a comunidade escolar como as entidades que as apóia não estão no campo das preocupações dos redatores e defensores do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB.

Evidentemente, estou tomando o Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, como a diretriz que orienta a “conquista” da Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, especialmente, porque ela responderia a alguns aspectos dos objetivos lá expostos. Por exemplo, nas Estratégias para Execução, se afirma:

“6. Levantar a legislação, em trâmite, para aprovação, que contribua para promover a implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro bem como propor a criação de novas leis que se façam necessárias.
Responsabilidade: Sistema CFB/CRB e parceiros

“a) Conselho Federal de Biblioteconomia – identificar os projetos de lei que estejam tramitando na Câmara Federal e no Senado Federal e seu propositor, contatá-lo com intuito de obter seu apoio para o projeto, seja através da qualificação da proposta, se for o caso, seja da proposição de algo novo, que constitua interesse para implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro;

“b) Conselhos Regionais de Biblioteconomia – identificar os projetos de lei que estejam tramitando nas Câmaras Municipais (minimamente da capital) e nas Assembléias Legislativas e seu propositor, contatá-lo com intuito de obter seu apoio para o projeto seja através da qualificação a proposta, se for o caso, seja da proposição de algo novo, que constitua interesse para implantação da rede de informação para o ensino público brasileiro;

“c) Parceiros – apoiar as articulações necessárias para a obtenção das adesões buscadas.” (Fonte: http://www.cfb.org.br/UserFiles/File/promobil/PROMOBILFINAL.pdf. Acesso: 30/06/2010)



Então, após esse ponto, continuei a examinar o documento em busca de identificar os parceiros do Sistema CFB, no Projeto Mobilizador. Quem são os parceiros e como o Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, define as estratégias de aproximação e negociação dos termos de parceria? Novamente, encontro determinações para esses parceiros, não claramente como possibilidades, como uma construção de caminhos para a conquista de uma real mobilização, mas como funcionalidades, que destaquei em negrito. Exemplo:

“7 POSSÍVEIS PARCEIROS E PAPÉIS

a) Associação Brasileira de Ensino em Ciência da Informação (ABECIN) e Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) – Coordenar o diagnóstico nacional sobre a situação das bibliotecas escolares; trabalhar a possibilidade de articular uma proposta de formação em nível de pós-graduação lato sensu para formação de bibliotecários escolares;

b) Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) – Articulação política para afiançar a discussão nacional e avaliar, junto a eles a possibilidade de apoiar financeiramente o diagnóstico;

c) Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (FEBAB) – Empreender esforços para, politicamente, articular nos estados as ações que serão fundamentais para assegurar o acolhimento do projeto;

d) Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Cultura (MinC) – Buscar, desenvolvido por estes órgãos, apoio para o projeto mobilizador, incluindo neste contexto o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP);

e) Câmara de Educação do Senado e Câmara Federal – Trabalhar no sentido de construir projetos que favoreçam a criação de leis que amparem o objeto e o objetivo do projeto mobilizador;

f) Deputados federais Lobbe Neto (PSDB/SP) e Vanessa Graziottin (PCdoB AM) – Apoiar os Projetos de Lei n.1831/2003 e n.3230/2004.

g) Fundação Roberto Marinho, Fundação ABRINQ, Fundação Airton Senna – Divulgar e solicitar auxílio na captação de recursos que permitam realizar o diagnóstico.”
(Fonte: http://www.cfb.org.br/UserFiles/File/promobil/PROMOBILFINAL.pdf. Acesso: 30/06/2010)


É sintomático, parece-me, que não se encontrem entre esses parceiros os Sindicatos de Trabalhadores em Educação, que existem às centenas no Brasil; as Associações de Docentes; as instituições formadoras de professores licenciados nos vários campos disciplinares da educação, etc. Repete-se a busca pelos gabinetes. Reitera-se uma atitude de distanciamento do usuário, como se a ética do bibliotecário brasileiro, a partir do órgão de fiscalização profissional, não levasse em conta quem usa a informação, mas quem “manda” usar, se é que existe essa figura. Novamente, estaria representada uma espécie de bibliotecário que foge dos usuários?

A aplicação de uma estratégia de análise de discurso sobre o texto do Projeto Mobilizador, do Sistema CFB, vai exibir a presença de uma Representação Social dos usuários do sistema escolar, como assujeitados ao pensar [e fazer?] bibliotecário. E esta pode ser uma origem substantiva da distância que os discursos de educadores, blogueiros e jornalistas têm dos discursos dos bibliotecários, no que diz respeito à Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010.

De mais a mais, deve-se ter em conta que a comunidade escolar brasileira, sempre formou um círculo de resistência aos desmandos estatais. Foi nessa comunidade, ou a partir dela, que diuturnamente se fez a busca pela superação das ditaduras que este país já enfrentou. Paulo Freire, por exemplo, que foi um grande mobilizador, leitor, estimulador da leitura e gestor de educação, certamente, não assinaria, nos termos em que foi construído, esse Projeto Mobilizador, do Sistema CFB.

Agora teremos a biblioteca escolar de que a sociedade brasileira necessita?

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Junho/2010]

A realidade da escola brasileira exibe uma situação dramática, quanto ao acesso a fontes de diversificação do discurso do professor. Em geral, mal equipada com meios de leitura, informação e formação, centrada na sala de aula que dispõe, majoritariamente, como principal tecnologia de comunicação giz e quadro verde, a escola brasileira tende a tornar o professor o centro de difusão do conhecimento. E esse professor, os diretores e equipe pedagógica da escola e os proprietários de estabelecimentos escolares privados, têm ainda esse modelo de escola: a escola centrada no professor e não no conhecimento. Então é improvável que, espontaneamente, essa referência ou habitus seja desprezada apenas pelo fato dessa(s) pessoa(s) vir(em) a se tornar professor(es).

Algo que se tem revelado grave, mas obviamente não percebido pela maioria dos gestores e pais de alunos, é quando o professor de sala de aula não tolera a relação com seus alunos no dia a dia e vai, em geral, expandir sua intolerância para todos os demais alunos da escola, através do recurso administrativo que se traduz por sua “readaptação” na biblioteca. Esse é o quadro que predomina nas escolas públicas, quando dispõem de “bibliotecas” abertas em algum horário do dia. Evidentemente, que essa observação deve ressalvar àqueles professores, cuja readaptação na biblioteca, e eles são poucos, revela uma vocação dantes não conhecida de almas bibliotecárias, a quem se deveria estimular a fazer uma formação técnico-científica em Biblioteconomia, para, associada ao domínio da pedagogia e da didática, vitalizar a biblioteca escolar como o centro dinâmico da ação escolar.

Entretanto, o Censo Escolar 2009 revela que a maioria das escolas públicas da educação básica, e boa parte dos estabelecimentos privados, não têm bibliotecas. Das 152.251 escolas de ensino fundamental, 52.355, isto é, em torno de 1/3 apenas tem bibliotecas (e 99,8 mil não a têm); no ensino médio, das 25.923 escolas, 18.751 têm biblioteca (7,1 mil não a têm). Mas isso não revela todo o quadro. Desses estabelecimentos que dispõem de bibliotecas, pouquíssimos contratam um profissional bibliotecário, por algumas razões: a) é mão de obra pouco disponível no mercado, pois há mais de quatro décadas os cursos de graduação em biblioteconomia brasileiros, majoritariamente, voltaram a ênfase de suas grades curriculares para a formação de profissionais capazes de atuar com a ICT; b) baixos salários, pois se os professores são submetidos a salários miseráveis os demais trabalhadores da escola, especializados ou não, terão baixos salários; c) a relativamente difícil interação entre educadores e bibliotecários, às vezes levada ao extremo, de um lado, pela falta de compreensão mútua do alcance do trabalho de cada um e, de outro, pela falta de tempo para dialogarem e formarem um ambiente de trabalho em equipe.

Embora essa apreciação não seja um diagnóstico preciso, é necessário que seja feito a fim de se ter uma base mais segura para a construção, pelo campo profissional da Biblioteconomia, de uma estratégia de abordagem do ambiente e das pessoas que tomam decisões na escola, sobre o seu projeto pedagógico e sua gestão administrativa: pais, professores e diretores. E quem poderia fazer estudos desse alcance em uma das pontas? Creio que poderiam ser programas de Doutorado e Mestrado em Biblioteconomia, dotados de linhas de pesquisa direcionadas a essas temáticas. Entretanto, por imprevidência e descompromisso com o país da base, em proveito apenas do país das elites, as nossas universidades permitiram que seus docentes de Biblioteconomia descontinuassem os programas de Mestrado existentes e nem chegassem a criar cursos de Doutorado para tratar desses estudos.

Assim, para não perder o jeito brasileiro de ser, em que o estudo científico da realidade social tem pouco interesse, voltamos ao princípio das ordenações manuelinas, de origem portuguesa, e elaboradas no começo do século XVI, segundo o qual a Lei conforma, isto é, dá forma à sociedade. E agora, no caso, que lei? A Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, que “dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País”. Essa lei é caudatária desse princípio, especialmente no discurso entusiástico e recente dos bibliotecários, que em blogs, listas de discussão, etc., não se contém em ver realizada a conquista nunca dantes feita. Ocorre que assim veem por enxergarem simplesmente a parte do artigo 3°, destacada em itálico a seguir:

“Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis nos 4.084, de 30 de junho de 1962, e 9.674, de 25 de junho de 1998.”

Mas se estivessem atentos à imprensa brasileira que se preocupou com o tema, blogs de escolas, listas de discussão de educadores, etc. veriam que esta parte está sendo solenemente ignorada. O que a grande maioria das pessoas está lendo na Lei nº 12.244 e sobre a Lei nº 12.244 é o seguinte:

Art. 1° As instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País contarão com bibliotecas [...].
Art. 2° [...] considera-se biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.

Parágrafo único. Será obrigatório um acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado, […]

Art. 3° Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, […] seja efetivada num prazo máximo de dez anos.


Então, essa é a questão: precisamos ter inteligência para pensar como mais uma vez vencer a estagnação e apresentar um projeto de biblioteca escolar para mobilizar a sociedade brasileira. Se olharmos para os CBBD, desde a década dos cinquenta do último século, os bibliotecários manifestavam-se para a existência de bibliotecas públicas e, também, bibliotecas escolares para todos. Após muitas décadas, chegamos a isso. Isso é tudo? Agora, só nos falta formar muitos bibliotecários para ocupar os espaços profissionais que serão abertos? Doce ilusão!

Veja-se que os “educadores” e muita gente que está acessando os sites que já se ocuparam do tema põem dúvida se essa não é mais uma daquelas famosas leis que jamais pegarão.

10/09/2011

A desigualdade salarial no Sistema CFB ou Do pensamento que propõe coisas injustas!

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Maio/2010]

Cada vez mais tento dizer para mim mesmo que por mais inacreditáveis que sejam as distâncias, continuamente reveladas entre discurso e prática, isso se dá como conseqüência da própria construção da realidade. A construção da realidade, dizem Berger e Luckmann (1), tem relação com o processo permanente de interação simbólica. Essa interação nos envolve como entes de comunicação, em busca permanente de atribuição de sentido às coisas da nossa existência. E a nossa existência é nada mais nada menos que a complexidade fenomênica que chega à nossa mente a partir de nossos sentidos.

O que pode sentir o bibliotecário de todos os rincões do Brasil, obrigado a pagar uma anuidade ao seu Conselho Regional, que é estipulada pelo Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), com o mesmo valor para todo o país (2); o que pode sentir esse bibliotecário que vê lançado um concurso coordenado por esse Conselho em que a taxa de inscrição é a mesma em todas as regiões em que o concurso será realizado; e o que pode sentir esse bibliotecário ao ver que, segundo o Edital do referido concurso, para jornada similar de trabalho, isto é, de 40 horas semanais, o salário inicial é muito distinto? Se esse bibliotecário reside ou pretende residir em estados da região sul (Rio Grande do Sul e Paraná) ou em Brasília, certamente, terá algum sentimento de maior valorização; mas se esse bibliotecário reside ou pretende residir em estados da região norte (Amazonas) e nordeste (Bahia, Paraíba) ou mesmo sudeste (Rio de Janeiro) sentir-se-á provavelmente como menos valorizado.

A que vem esse comentário? Desde que vi o texto do edital (3) e todos os elementos informativos contidos no mesmo, passei a me perguntar se não houve equivoco, engano. Até agora não entendi com base em que foram determinados os valores atribuídos no texto daquele edital como salário inicial. Num pensamento positivo, imaginei que os membros do Conselho de Biblioteconomia, como Sistema, haviam imaginado um fator de equilíbrio que poderia ser a paridade entre o ganho oferecido e o valor de consumo de cada uma das cidades onde ocorrerá o concurso e admissão dos profissionais, evidentemente, considerando um indicador da relevância do custo da cesta básica. Então busquei verificar o custo dessa cesta nas respectivas cidades e compus uma tabela que pode ser visualizada em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=521

Construída a tabela, passei a analisá-la e, para minha surpresa também não era justificável o valor de salário inicial oferecido por esse indicador, o mais importante, pois significa de um dado valor de salário qual o percentual, em azul na tabela, que o trabalhador empenha ao final de um mês.

O que vi, até o momento, que espero seja apenas um engano, é que para o CFB, titular da abertura do concurso, está subentendido que há bibliotecários de primeira classe, pois ganharão salários mais generosos e bibliotecários de segunda classe, para os quais o próprio Conselho, no papel de empregador, está se propondo a pagar salários menores.

Ocorre, e isso é importante destacar, que o CFB e seus regionais são o guardião da ética profissional do bibliotecário brasileiro; responsáveis e aplicadores dos dispositivos do Código de Ética. É cláusula pétrea do Código de Ética a dignificação profissional do bibliotecário. Entendo dignificação como um conceito que contém dentre outras coisas a noção de igualdade de tratamento dos bibliotecários; disposição de defesa de boas condições para atuação do profissional e salários dignos, a fim de que façam bem feito o seu papel social. Será que qualquer outro empregador, vendo que o próprio Conselho de Biblioteconomia trata os bibliotecários brasileiros a ele filiados como de classes distintas, pela região em que atuam, ainda que ocupem as mesmas funções com as mesmas jornadas profissionais, tratará os bibliotecários a que contratar com outra atitude? Será que a primeira alegação não seria: mas se o Sistema CFB adota política discriminatória para os bibliotecários seus empregados, por que não posso eu fazer do mesmo jeito?

Como é que se pode explicar que um bibliotecário, funcionário do Conselho, receba um salário em Salvador - BA, do qual precisará tirar mensalmente mais de 17% para pagar a cesta básica e um seu colega, funcionário do mesmo patrão, isto é, o Sistema CFB, por residir em Curitiba – PR, despenderá para esses encargos exatamente 10,5% ou 11,3, se mora em Porto Alegre?

Acrescente-se a isso que o salário oferecido, somente para aquelas vagas previstas para Curitiba e Porto Alegre, tem valor só um pouquinho mais alto que o postulado pelo DIEESE (4) para o salário mínimo em março de 2010 do trabalhador brasileiro?

Então é de se perguntar se o discurso da dignificação profissional do bibliotecário brasileiro, cujo primeiro fator é o salário justo, não precisaria ser melhor discutido e, uma vez feito isso, posto em prática no âmbito do próprio Sistema CFB.

Por acreditar que o conteúdo do edital, no que toca aos valores salariais iniciais apontados, foi apenas um equivoco, imagino que as diretorias do CFB e dos CRBs implicados nesse edital, com a sensibilidade social de que dispõem, cuidarão em aperfeiçoar a realidade do bibliotecário brasileiro, uma vez que o Sistema CFB, como guardião da ética profissional, não pode sustentar como definitivamente dado eventuais equívocos que tenha cometido.

Notas

(1) BERGER, P. I.; LUCKMANN, Th. A construção social da realidade; tratado de Sociologia do conhecimento. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

(2) Brasília/DF, 09 de outubro de 2009. RESOLUÇÃO CFB N. 107/2009. Publicado no Diário Oficial da União – Seção 1, pág. 173, em 13/10/2009. Dispõe sobre a fixação de valores de anuidades e taxas devidas aos Conselhos Regionais de Biblioteconomia para o exercício de 2010 e dá outras providências. Art.1º - [Fixa] o valor das anuidades e taxas devidas aos Conselhos Regionais de Biblioteconomia, pelos profissionais e pessoas jurídicas, para o exercício de 2010, da seguinte forma: a) Profissional: R$ 285,00.

(3) EDITAL nº 01/2010 DO CONCURSO PÚBLICO 01/2010 – CFB, DE 01 DE MARÇO DE 2010 – ABERTURA - Nêmora Arlindo Rodrigues, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia – CFB, no uso de suas atribuições legais, mediante as condições estipuladas neste Edital, em conformidade com a Constituição Federal e demais disposições atinentes à matéria, TORNA PÚBLICA a realização do CONCURSO PÚBLICO, sob regime da Consolidação das Leis Trabalhistas, para provimento de vagas do Quadro de Pessoal dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia – CRB1 / CRB5 / CRB7 / CRB9 / CRB10 / CRB11 / CRB15. Inscrição via Internet - Período: das 10h de 01/03/2010 às 12h de 15/04/2010, considerando-se o horário de Brasília.

(4) O salário mínimo do trabalhador do País deveria ter sido de R$ 2.159,65 em março para que ele suprisse as necessidades básicas e da família, de acordo com estudo do Dieese). Com base no maior valor apurado para a cesta no período, de R$ 257,07, em Porto Alegre, e levando em consideração o preceito constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para garantir as despesas familiares com alimentação, moradia, saúde, transportes, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência, o Dieese calculou que o mínimo deveria ter sido 4,23 vezes maior que o piso vigente, de R$ 510.
O Dieese também informou que o tempo médio de trabalho necessário para que o brasileiro que ganha salário mínimo pudesse adquirir, em março de 2010, o conjunto de bens essenciais aumentou, na comparação com o mês anterior. O trabalhador que ganha salário mínimo necessitou cumprir uma jornada de 94 horas e 38 minutos para realizar a mesma compra em março. Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/Economia+Brasil,cesta-basica-sobe-em-todas-as-17-capitais-pesquisadas-em-marco-aponta-dieese,not_12620.htm

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – Parte 4: A exclusão - hoje - de bibliotecários por bibliotecários

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Abril/2010]

Tenho trazido mensalmente a esta coluna algumas reflexões em torno da conduta dos bibliotecários brasileiros, quando lidam com a construção de uma imagem e de um futuro. Uma expectativa que sempre tenho é a de que o futuro pode ser melhor, na medida em que possamos apreciar o que vimos fazendo, desde quando teve início a série de eventos designada pela sigla CBBD.

Na coluna de março, fiz referência à exclusão no CBBD das temáticas educacionais e estudantis, especialmente a partir do VI CBBD, realizado em 1971. Evidentemente, a exclusão daquelas temáticas das pautas do CBBD afastou parte dos docentes e estudantes de Biblioteconomia desse evento, o qual ainda considero o maior fórum de discussão das temáticas bibliotecárias no Brasil. Aliás, defendo que ele seja recuperado como o fórum para o qual convergiriam todas as discussões sobre os problemas e sobre os caminhos novos a serem criados pelos bibliotecários como próprios de sua missão.

Entretanto, a expansão ou complexificação das atividades biblioteconômicas no país levou a uma situação especial: o esgarçamento do papel coordenador da FEBAB e uma grande dificuldade dos bibliotecários de se enxergarem como constituintes de um coletivo.

Parte desse movimento de despedaçamento da categoria bibliotecária fica evidente na proliferação de eventos, cujas pautas ou deliberações não estão articuladas a um projeto político profissional mais amplo. Aliás, não existe esse projeto mais amplo na categoria bibliotecária brasileira.

Uma das conseqüências de tudo isso, é que hoje são excluídos profissionais bibliotecários de eventos realizados em setores que constituem ramos biblioteconômicos específicos. E eles são excluídos pelo pior critério que uma categoria profissional pode adotar para selecionar os pares: o critério econômico. Isso representa rasgar, pisotear, desrespeitar o seu Código de Ética Profissional. Isso significa adotar o pior e mais indesejado recurso de opressão no interior de uma categoria profissional. Nessa situação desrespeita-se o princípio de solidariedade profissional, pois expõe uma valoração declaratória e distintiva, no sentido de que há ricos e pobres. E que aos pobres não se facilitará senão a contração de dívidas financeiras.

Em relação a onde isso está acontecendo basta que olhemos o site referente à XVI edição do Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias (SNBU). Este evento que acontecerá de 17 a 22 de outubro de 2010 está sendo organizado por iniciativa do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) da UFRJ e tem preços de inscrições individuais para os participantes acima das condições econômicas da maior parcela dos bibliotecários que atuam em bibliotecas universitárias ou do ensino superior. Os valores das taxas individuais cobrados de estudantes chega a R$ 350,00 e de profissionais chega a R$ 700,00. Se for olhada com atenção a tabela de inscrição (http://www.snbu2010.com.br/inscricoes.asp) podem-se deduzir outras coisas como, por exemplo, a mercadorização da educação continuada. Dito de outra forma, o lugar para a participação neste evento é um produto que pode ser adquirido e pago no cartão em até seis vezes, situação que não o distingue de qualquer outra mercadoria disponível em qualquer supermercado.

Mas vejamos o que é, de fato, o setor de educação superior brasileiro! De acordo com a Sinopse da Educação Superior de 2006, produzida pelo INEP/MEC, havia 2.270 Instituições de Educação Superior (IES) no País no final desse ano; dessas, apenas 178 eram universidades. As demais, categorizadas de acordo com a legislação existente, constituem 119 Centros de Ensino Superior; 115 Faculdades Integradas; 1.649 Faculdades, Escolas e Institutos e 208 Centros e Faculdades de Ensino Tecnológico. Do total de 2.270, 248 são IES públicas, 439 são IES Comunitárias, confessionais e Filantrópicas e 1.583 são particulares.

De acordo com os números, mais de 70% dessas IES são unidades constituídas por um ou dois cursos, pois é essa a característica das Faculdades, Escolas e Institutos; depois, aproximadamente 70% de todos esses estabelecimentos são particulares, isto é, pertencem a empresas privadas, voltadas ao lucro. Nesse contexto, quando há o profissional bibliotecário, esse não passa de um; não há uma equipe composta por mais bibliotecários. De outro lado, um grande número desses bibliotecários não percebe remuneração maior que R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) e há quem ganhe menos que isso. Também nas universidades, mesmo nas federais, os concursados recentes estão ingressando com menos de R$ 2.000,00. Considerando que se trata de Seminário de Bibliotecas Universitárias, ao cobrar as inscrições nos valores anunciados, a sua equipe organizadora já impossibilita, de início, a participação de muitos desses profissionais, que têm carência de reciclagem.

Em janeiro deste ano de 2010 fui convidado a fazer parte da Comissão Científica desse evento, o que prontamente aceitei. Não estava completamente informado sobre os valores estabelecidos para as taxas de inscrição. Por ter aceito o convite, meu nome foi exposto na listagem de membros da referida Comissão. Dias mais tarde, recebi uma correspondência de uma egressa do Curso de Biblioteconomia da UFSC que trabalha na cidade do Rio de Janeiro. Ela me pedia que, se pudesse, tentasse obter uma redução de preço que facilitasse sua inscrição num valor mais favorável, pois trabalha na Biblioteca de uma Universidade particular. Imediatamente, fui verificar quais eram, de fato, os valores das taxas de inscrição. Surpreendi-me com o exagero. Enviei a correspondência, sem a identificação da remetente, para a presidente da Comissão Científica, pedindo-lhe que fizesse chegar à Coordenação Geral. Simultaneamente, como um ato político e moral, pedi o desligamento da referida Comissão.

Esse pedido de desligamento, que foi prontamente aceito, é a forma que encontrei para distanciar-me desta postura mercantilista, aética, em que a solidariedade profissional não se manifesta e, mais que isso, tomei tal atitude por entender que o princípio da DIGNIDADE PROFISSIONAL, repetidamente presente no Código de Ética do Bibliotecário brasileiro, não foi levado em conta.

Por fim, se bibliotecários hoje excluem de seus eventos outros bibliotecários, isso teve início quando há quatro décadas, no CBBD, foram excluídos estudantes e docentes.

Compactuar com tamanha insensibilidade ética, aceitar a precedência do econômico sobre a solidariedade e a indignificação da profissão não é possível.

Os bibliotecários brasileiros, envolvidos com a organização do SNBU de 2010, precisam rever os valores humanos que seu Código de Ética apregoa. Ou será que, embora não o afirmando com palavras, já transformaram esse Código em Cinzas?

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – parte 3: a exclusão das temáticas educacionais e estudantis das pautas dos CBBDs

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Março/2010]

Continuando a discussão que está em pauta nesta coluna desde novembro de 2009, a qual leva em conta recomendações que os bibliotecários brasileiros vêm produzindo nos últimos 56 anos, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD), inicio com perguntas: por que se trabalhou especialmente para forjar a fraqueza política dos bibliotecários? Foi por uma leitura “realista” do sombrio ambiente sócio político dos anos 1960, imposto pelo silenciamento paralisante, promovido pela ditadura do estado sobre todas as profissões? Foi uma decorrência da miséria bibliotecária permanente na sociedade brasileira que levou a uma regra absurda: para a biblioteca um bibliotecário com a finalidade de cuidar de coleções? Foram outras as razões? Elas existiram ou existem? Quem pode melhor falar sobre essas outras razões?

Sejam quais forem os motivos que dão consistência tumular a essa fraqueza política, há um fato concreto: o discurso dos bibliotecários brasileiros construído como representação paralisante, em seu principal fórum de tomada de decisão coletiva: o CBBD. Especificamente no VI CBBD, realizado em 1971, em Belo Horizonte, os bibliotecários então reunidos deliberaram aprovando-as, as quatro recomendações que estabeleceram a exclusão das temáticas educacionais e estudantis das pautas dos CBBDs. Vejamos:

- Recomendação 25 – Que seja excluída dos futuros congressos brasileiros de Biblioteconomia e Documentação a discussão de assuntos referentes ao ensino e à formação profissional, os quais deverão ser examinados pela ABEBD em suas reuniões e encontros, e posteriormente relatados aos plenários de congressos profissionais;
- Recomendação 26 – Que a ABEBD, juntamente com as Escolas de Biblioteconomia, promova encontros de Estudantes de Biblioteconomia, para discussão de teses e trabalhos e interesse do grupo;
- Recomendação 27 – Que se recomende à Associação Brasileira de Escolas de Biblioteconomia e Documentação a realização do I Congresso Brasileiro de Estudantes de Biblioteconomia em São Carlos, em 1972;
- Recomendação 28 – Que os trabalhos de autoria de estudantes de Biblioteconomia sejam apresentados e discutidos em reuniões da classe estudantil e não em congressos regulares de Biblioteconomia e Documentação.

Fiz destaques aos textos das recomendações acima transcritos para refletir sobre o caráter de exclusão que neles está não só evidenciado mas expresso, e para observar a base de uma pedagogia separatista, isolacionista e autoritária e de uma ética não dialógica. Contextualizadas por esse clima de exclusão, individualização e isolamento é que foram formadas as gerações de bibliotecários que até recentemente atuaram como docentes dos Cursos de Biblioteconomia e que também foram os modelos de intelectuais bibliotecários dos atuais docentes desses Cursos. Ou seja, sem instrumentos de defesa possível, a não ser de caráter social mais amplo, pela possível não entrada no campo ou pelo abandono da Biblioteconomia, os atuais docentes desses Cursos são pessoas que incorporaram e, com maior ou menor grau de convicção, transmitiram a seus sucessores profissionais limitações de duas naturezas: a) a subordinação ao pensamento de exclusão contido no imaginário dos bibliotecários dos anos 1960 e 1970 e b) a assimilação da fragmentação coletiva, visto que na categoria bibliotecária de então havia: 1 - bibliotecários claramente estabelecidos como tais; 2 – professores de Biblioteconomia, que deveriam se congregar em uma associação de escolas; 3 – estudantes de Biblioteconomia, que deveriam ser subordinados às escolas e respectiva associação de escolas. Ora, isso não foi apenas um programa político da categoria bibliotecária brasileira, isso também foi um modelo pedagógico e de conduta imposto, isto é, deveria ser aceito que constituímos um mundo fragmentado onde cada um estaria limitado a um círculo de fogo estabelecido por que se achava com a posse do poder de fazê-lo.

Considerando: 1 - que a sociedade se movimenta pela permanente construção de valores e ideais que forjam a realidade; 2 - que o Brasil foi redemocratizado politicamente e prossegue neste esforço; 3 - que avanços econômicos e tecnológicos nos alcançam, o que aconteceu que poderia evidenciar uma possível democracia bibliotecária nestes anos 2000? Nada! Aliás, para não ser injusto com a idéia construcionista da realidade, eu digo que aconteceu para a categoria bibliotecária uma piora política acentuada, se fizermos uma comparação com os anos 1970, tendo por base o seguinte: 1 - bibliotecários claramente não sabem que identidade têm; duvidam se são bibliotecários ou profissionais da informação, em face do jogo ideológico que se foi acentuando em torno de um discurso de interesse das organizações que lidam com a Informação Científica e Tecnológica; 2 – professores de Biblioteconomia não conseguiram manter sua associação de escolas de Biblioteconomia, que foi substituída, em 2001, por uma Associação de Educação em Ciência da Informação, embora a grande maioria dos Cursos seja designada por Biblioteconomia e seu conteúdo predominante seja de Biblioteconomia, até pelo fato da chamada Ciência da Informação ainda ser uma mitificação modernizadora, que se materializa pela presença nos ambientes de trabalho bibliotecários de processos automatizados para armazenagem e recuperação da informação; 3 – estudantes de Biblioteconomia, que hoje não têm certeza sobre a identidade profissional de seus professores e acadêmica de seus cursos: são Cursos de Biblioteconomia, Documentação, Ciência ou Gestão da Informação? E, assim, são estudantes alheios à própria necessidade de articulação de um movimento associativo que possa vivificar as associações de bibliotecários; que possa focar uma sociedade que necessita de curadores ou cuidadores de comunidades de usuários, das quais as mais frágeis e carentes de atenção são as públicas e escolares que, por estarem na base da sociedade, constituem um enorme público e também um inesgotável mercado de trabalho. E são esses estudantes ou os recém formados em Biblioteconomia que poderão fazer, se o quiserem, a constituição de uma biblioteconomia adaptada às necessidades das populações brasileiras, todas. Mas entregues à própria sorte na discussão das temáticas de seus interesses, como farão com as necessárias relações de interlocução para chegar a isso, se seus interlocutores, como membros de um todo profissional, no qual eles ingressarão após sua formação acadêmica, não querem lhes ouvir e se as escolas têm seus próprios problemas, como se vivessem num mundo sem estudantes?

É esse intrigante quadro que os bibliotecários brasileiros foram construindo nas sucessivas edições do CBBD. Contudo, é nos recém egressos e nos atuais estudantes que podemos apostar em torno de mudanças e de construção de aproximações que possam fomentar uma nova prática profissional dirigida por uma pedagogia e uma ética em que o outro (usuário, leitor) não será meramente um crachá, um cadastro! E isso precisa ser feito dentro da própria categoria bibliotecária, onde outros são parceiros: estudante é bibliotecário em potência e professor é bibliotecário educador.

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – parte 2: força à mecanização e ao separatismo!

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Dezembro/2009]

Dando sequência à discussão iniciada na coluna de novembro de 2009, continuarei a examinar algumas facetas da conduta coletiva do bibliotecário atuante no Brasil, quanto às recomendações que esses bibliotecários vêm produzindo nos últimos 55 anos, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação. Pelas características dessas recomendações, que esboçam o sentido de resoluções, tais manifestos expressariam idéias em torno de uma política profissional e, por isso, requereriam coerência em sua aplicação, defesa de sua revisão continua e atualização de princípios e de práticas ao longo do tempo.

Ainda com relação ao enlace Biblioteconomia e Documentação, tomado como a verdadeira estratégia de formação do bibliotecário de um lado ou, de outro, como decisão de confrontação com os “tolos” europeus e norteamericanos da IFLA e da FID, o que se viu foi no longo prazo a criação de condições para o “escanteio” da biblioteca pública e da biblioteca escolar. Quarenta e oito anos depois daquele heróico terceiro CBBD, ao chegar ao futuro, no século XXI, o Brasil não dispõe nem de redes de bibliotecas públicas adequadas às suas necessidades econômicas presentes, nem de redes escolares em que os professores da educação básica, por não terem tido acesso a bibliotecas escolares em sua fase estudantil e nem bibliotecas públicas em seus bairros, e precárias bibliotecas universitárias, têm dificuldade de reivindicar a presença e a dinamização de bibliotecas nas escolas em que atuam. Isso, além do efeito da ausência institucional, tem como reforço o modelo de seus próprios professores expositores e fará com que seus pupilos de hoje continuem, inconscientemente, a manter um futuro ainda obscurecido durante algumas das próximas décadas.

Após o terceiro CBBD, de 1961, realizado em Curitiba, talvez tenha sido no quinto Congresso, realizado em São Paulo, em 1965, onde mais os bibliotecários tomaram decisões sobre a sua formação e sobre a sua prática profissional. Particularmente, foi uma oportunidade em que se acentuou a comunhão “Biblioteconomia e Documentação”. Também foi a ocasião em que a Biblioteca Nacional, as Bibliotecas Públicas e as Bibliotecas Escolares como categorias institucionais foram enfeixadas sob o rótulo de apagamento “Bibliotecas Gerais”. Nesse CBBD aparecem, nomeadamente, deliberações sobre “Informação Científica”, “Reprografia” e “Instrumentos Audiovisuais”.

Evidentemente, o contexto paulista, do qual se dizia representar, na economia, “a locomotiva” do Brasil, teve um peso significativo nessas decisões, reforçando duas atitudes que perseguem predominantemente os bibliotecários brasileiros, como categoria profissional: a) o desejo de ser moderno e assim padronizado e bitolado e b) a ausência de visão política de longo prazo.

Com base na primeira atitude são importados, mais que rapidamente, não sem equivoco, instrumentos e/ou processos de trabalho que deram certo em contextos sócio-econômicos mais adiantados. Essa seria a prova de estar em dia com o que de melhor há no mundo; mesmo que este seja culturalmente outro mundo. Com base na segunda atitude as decisões concentram-se no imediato do retorno material do capital e do trabalho. Os melhores salários estariam nos setores que, pelo seu porte e dinâmica econômica, utilizam mais informação aplicada à produção mensurável em moeda que conteúdos para leitura e formação no longo prazo de pessoas. Essa seria a prova do estar “antenado” com o mercado. As duas atitudes cegam a percepção de que ser moderno é formar as bases para o futuro e, pela concepção de sociedade cidadã, não fechar os caminhos para o futuro. Assimilar novos conhecimentos, acelerar a inserção da modernização não é problema só e quando, simultaneamente, não se fecha as portas para a educação fundamental.

De modo similar ao que apresentei em novembro, farei algumas transcrições das deliberações tiradas ao final do quinto CBBD nos dois aspectos que venho destacando: sobre a formação profissional e sobre a prática profissional. Das dez recomendações reunidas sob o título Formação Profissional, em que todas se referem a diferentes aspectos que pertencem às “Escolas de Biblioteconomia e Documentação”, cabe ressaltar a de número oito por contradizer à verdade dada então, de um lado e, de outro, por que aqueles bibliotecários não poderiam aceitar o escorrego de quem quer que fosse para fora do padrão e da bitola: “Dirigir à Universidade de São Paulo um protesto pela separação do ensino de Biblioteconomia e Documentação na estruturação da Escola de Comunicações Culturais, em desobediência à Lei 4.084, Decreto 56.725 e Parecer 326 do Conselho Federal de Educação”.

Com relação ao aspecto Prática Profissional vê-se, no que pertence às trinta recomendações reunidas sob o título “Processos Técnicos”, a presença do termo mecanizado, mecanização, planificação e coordenação na maior parte deles, relacionadas à ambientes em que havia o predomínio da informação de uso especializado.

Mas essa atitude de bitolamento ou de inaceitação do diverso não teve caráter isolado, não se expressou apenas pelo protesto contra a existência, então, de dois Cursos na USP-ECA: um de Biblioteconomia e outro de Documentação. Ela se ampliou, dando início a um discurso separatista em 1971, que foi se estendendo cada vez mais e hoje se manifesta pela existência de diversas entidades, aparentemente carentes da construção de instrumentos de aproximação. Para ter esse efeito duradouro e não vitimizar apenas uma sociedade que poderia ter nos bibliotecários defensores verdadeiros do direito à leitura, a decisão desses profissionais foi de excluir dos CBBDs os assuntos referentes ao ensino e à formação profissional, assim como aqueles de interesse dos estudantes.

Sobre isso, falarei proximamente!

O pensamento coletivo fragmentado do bibliotecário no Brasil – parte 1

Fonte da publicação: INFOHOME - http://www.ofaj.com.br - Novembro/2009]

Quero iniciar a partir desta coluna de novembro de 2009, uma pequena série de reflexões que, mantendo o foco na prática profissional e ética, submete a exame algumas facetas da conduta coletiva do bibliotecário atuante no Brasil. Para isso, tomo como base as recomendações que os bibliotecários brasileiros foram produzindo nos últimos 55 anos, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, o qual desde o ano de 1959 teve sua denominação estendida para Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD).

Num primeiro momento chama a atenção o modo fragmentário da tomada de decisão que afeta a política profissional, com reflexos de longo prazo, hoje sentidos, tendo como efeito, em vez do fortalecimento de uma identidade de grupo, o seu desmoronamento, lamentado em muitos discursos feitos nos últimos anos. Evidentemente, que para essa fragmentação do pensamento, têm contribuído as profundas modificações produzidas nas políticas econômicas e sociais no âmbito global, mas de outro lado tem pesado a circunstância que poderíamos chamar do desejo do bibliotecário brasileiro de “seguir a onda da modernidade”. Também valeria como possível atenuante para esse comportamento o fato de que “seguir a onda da modernidade” traria uma boa perspectiva de sobrevivência profissional; adviria da percepção “real” da necessidade de assimilação e incorporação como prática profissional, das melhores técnicas e tecnologias disponíveis em nível mundial relativas ao armazenamento e recuperação de conteúdos, especialmente, nos campos de conhecimento que são traduzidos em políticas de forte alavancagem da economia. Contudo, o que se viu foi o progressivo descuido da ênfase em setores relacionados a serviços humanos e sociais da Biblioteconomia praticada no Brasil. Esse descuido, levou à construção de um certo desprestígio da profissão de Bibliotecário no país, e se manifesta na ausência ou na precariedade de políticas para a Biblioteca Pública, para a Biblioteca escolar e, não menos relevante, nos orçamentos destinados a essas instituições e nos patamares médios de remuneração de seus bibliotecários. Essa miséria construída pelos bibliotecários brasileiros, contra si e contra sua identidade profissional, pavimentou um caminho que se fez em sentido contrário ao que ocorreu em outras regiões do planeta.

Utilizando o pensamento dos bibliotecários brasileiros, sintetizado nas recomendações do CBBD desde 1959, pretendo refazer o caminho da desconstrução profissional de que hoje se pode testemunhar nas falas dos bibliotecários, que à falta de convicção sobre sua identidade teimam em se designar em vários ambientes pela alcunha de Profissional da Informação. Fazendo um breve parênteses, sabe-se que várias categorias profissionais, cuja atuação se dá no setor econômico-social da saúde, insistem em ser denominados pelos seus nomes de origem: médico, enfermeiro, nutricionista, etc., porque vêem nisso a sua especificidade ocupacional. O bibliotecário não teria mais especificidades que o identificam ocupacionalmente como atuando em segmento próprio no setor econômico-social da informação?

Retomando o discurso, encontro nas recomendações de sucessivas edições do CBBD a manifestação da ausência de estratégia política e de incompreensão sobre o como fazer valer a unidade coletiva de sua categoria. Essa anomalia sustenta e é sustentada, num processo circular; traduz a falta de convicção profissional, o que torna frágil o valor e sentido da deontologia bibliotecária expressa no Código de Ética vigente, que existe como um pretenso instrumento de orientação da conduta profissional dos membros da categoria bibliotecária.

O primeiro Congresso Brasileiro de Biblioteconomia foi realizado em 1954. Na correspondente década, o Brasil estava vivendo intensas transformações econômicas, que ainda não se haviam objetivado em um necessário complexo de instituições constituinte de um setor econômico-social da informação antes desse mesmo ano. Mas a criação do IBBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação) em 1954 contribuiria decisivamente para a modificação, ainda nessa década, desse quadro e começaria a interferir profundamente no discurso dos bibliotecários brasileiros. O conteúdo ali laborado fora tomado como uma nova perspectiva de trabalho, renda e conhecimento, associado ao industrialismo que passou a representar uma posição protagonista na economia do país. Começava ali a desconstrução da vertente de prática bibliotecária que se poderia chamar de Biblioteconomia Humana e Social, não tanto pela sua total negação mas pelo enorme descompasso entre as necessidades da sociedade mais ampla e os investimentos públicos que deveriam ser feitos e não o foram de fato.

A primeira manifestação dessa virada de foco dos bibliotecários brasileiros deu-se pela redenominação, já a partir da 2ª. edição realizada em Salvador, BA, em 1959, do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e tomou densidade já nas suas recomendações finais. A recomendação de número 3 afirma: “Que seja a documentação incluída definitivamente nos currículos das Escolas de Biblioteconomia”. A existência desse foco novo “no mercado” enseja a possibilidade de pensar “grande” e propugnar através da recomendação de número 4: “Que seja totalmente reestruturada a formação profissional do bibliotecário e documentalista, em curso superior, com quatro anos, no mínimo de duração, a exemplo dos currículos universitários de outras especialidades”. Para reforçar essa via de ação, a recomendação de número 5 afirmou: “Que seja regulamentada em lei o exercício da profissão de bibliotecário e documentalista”.

Para não haver esmorecimento dessa submissão quanto ao novo foco de atuação profissional e para reforçar a indispensabilidade da assimilação dessa novidade, as sete primeiras recomendações aprovadas no final do 3° CBBD, realizado em 1961, na cidade de Curitiba, PR, foram dirigidas Ao Ensino de Biblioteconomia da seguinte forma:

1 - Que as escolas de Biblioteconomia incluam definitivamente a documentação, não só nos seus nomes, mas também nos seus currículos;
2 - Que a Documentação não seja apenas uma cadeira a ser lecionada no último ano, mas sim um conjunto de disciplinas e técnicas que abranjam a totalidade de seu campo, quais sejam: Produção de documentos, Reunião de documentos, Seleção de documentos e Reprodução de documentos.
3 - Que as matérias subsidiárias da Documentação na medida das possibilidades e das condições locais brasileiras, sejam incluídas no curso.
4 - Que a duração do curso seja no mínimo de quatro anos, a fim de que todas essas disciplinas possam ser ministradas convenientemente, e para nivelá-la aos demais cursos universitários do país.
5 - Que as escolas de Biblioteconomia tenham em mente que estão preparando elites de técnicos e não fornadas de bibliotecários, não devendo subordinar a reestruturação do currículo de quatro anos à possibilidade de diminuição do número de alunos. Devemos levantar o nível das escolas de Biblioteconomia tendo em vista, única e tão somente, os superiores interesses de unificar no Brasil, a formação de Bibliotecário e Documentalista.
6 - Que as escolas de Biblioteconomia, com seus currículos bem reestruturados, em nível universitário, permitam que os bibliotecários já formados voltem aos bancos escolares para se atualizarem nas técnicas da Documentação.
7 – Que este Congresso notifique a FID e a IFLA de que os bibliotecários brasileiros são contrários à formação em separado de bibliotecários e documentalistas e que as escolas brasileiras de biblioteconomia e documentação estão aptas a ministrar as suas técnicas.

É evidente que os termos, o momento e as circunstâncias em que foram produzidas essas idéias e estabelecida essa “política profissional e de formação educacional para o bibliotecário” provocou o forte desdobramento dessa política ao longo das décadas seguintes.

Para enfatizar uma certa “cegueira” quanto a necessidade futura de uma Biblioteconomia Humana e Social ou para se perceber o tosco direcionamento nas recomendações produzidas, destaco alguns dos termos ali acentuados:

- Que seja a documentação incluída definitivamente....
- Que seja totalmente reestruturada a formação profissional do bibliotecário e documentalista...
- Que as escolas de Biblioteconomia incluam definitivamente a documentação...
- Que a Documentação não seja apenas uma cadeira a ser lecionada no último ano, mas sim um conjunto de disciplinas e técnicas...
- Que as matérias subsidiárias da Documentação [...] sejam incluídas no curso
- Que as escolas de Biblioteconomia tenham em mente que estão preparando elites de técnicos e não fornadas de bibliotecários....
- Devemos levantar o nível das escolas de Biblioteconomia...
- Que as escolas de Biblioteconomia [...] permitam que os bibliotecários já formados voltem aos bancos escolares para se atualizarem nas técnicas da Documentação.
- Que este Congresso notifique a FID e a IFLA de que os bibliotecários brasileiros são contrários à formação em separado de bibliotecários e documentalistas...

Têm razão aqueles que reclamam da ênfase que os Cursos de Biblioteconomia dão às técnicas e às tecnologias?

Os bibliotecários que, em última instância, devem ser a “consciência” da formação bibliotecária ao interpretar as necessidades sociais, em seu CBBD sempre insistiram, nas recomendações finais, que esse é o caminho e que as Escolas devem sempre reestruturar currículos para assegurar “positivamente” o atendimento dessa visão. Hoje isso se faz do mesmo modo e as necessidades de uma Biblioteconomia Humana e Social continuam ao lado. Pensemos!

Continuarei....